Mostrando postagens com marcador angústia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador angústia. Mostrar todas as postagens

3 de março de 2013

sufocações

Fui acordada do infinitamente longínquo sono da tarde por um ataque de sufocação. Achava que já havia passado dessa fase. Mas foi exatamente como eram todos os outros, de tempos anteriores: em meio ao tranquilo e imemorável sono, fui sugada de volta ao corpo estendido no sofá por uma aridez na garganta, um ofegante suspiro, uma tosse rouca e mais tosse, quando dei por mim, já estava em pé, num pulo, assim como já era noite. Olhei em volta. Aterrissara exatamente onde devia, que sorte. Numa volta subta dessas é que a gente perde o destino para sempre.

Fui pegar água e logo voltei a tremer, pois as sufocações não são mais que uma tentativa de fechar a garganta, e eu vislumbrava, num instante, Aquilo Tudo, que não tem exatamente forma, mas é um sopro, um sopro abafado, então me senti fraquejar. De novo. Impôs-se novamente, na cama, aquela calma silenciosa atestada tantas vezes pela minha expressão (mas repare bem, os cantos dos lábios prenunciam a tormenta, o fogo cruzado, o lado nada delicioso da noite de ressaca na praia) e minha cabeça não conseguia me pedir nada além de repouso.

15 de fevereiro de 2013

o inferno

Sem luz no apartamento, sem velas, nem lanternas, o misterioso trânsito às 23:00 na avenida quatro andares abaixo era o que trazia certa profusão de luzes esquizofrênicas en passant. Na penumbra que se formara, atravessada por tais feixes de luz medonhos, eu me movia devagar, quase flutuando. Consegui até esquentar sopa e jantar no escuro. Sozinha (no coração - aço). Estava exausta, há dias mal dormia. Ah, o carnaval!, dirão. É, o carnaval. Mas podia perfeitamente não ter sido carnaval. Ou não. Tinha mais certeza do que nunca de que precisava descansar, o que me parecia finalmente possível. O peito apertado, ou talvez infinitamente leve, aquela aflição de quem procura sabe-se-lá-o-que com a absoluta certeza de que jamais encontrará. Coisa que sempre me impressionou: como ousa o telefone funcionar quando falta energia? Ele tocou, majestosamente, enquanto eu mantinha ao meu lado, cuidadosa e obcessivamente, o celular já quase sem bateria. -Donzela! Ah. Consegui desligar o telefone depois de uns minutos e uns grunhidos, desconectei o fio que o ligava à parede. Feito um fantasma, andei pela casa, esperando, procurando, de olho no celular, o coração (aço) atento, sonâmbulo. Cai na cama do quarto que não era o meu e lá fiquei, enterrada no lençol, no escuro, com a subta consciência de que, mais alguns dias e, sem mais poder percebê-lo, eu me poderia tornar completamente louca.

7 de janeiro de 2012

romances

Não pude mais: fechei o livro e prendi o ar. Ouvia no quarto ao lado um indistinto som de televisão, muito baixo. Meu coração até doía... é isso, é isso... Preciso desses olhares que prometem, dos minutos de entrega (entrega-se uma vida toda em momentos assim), dessa atmosfera de sublime e de sonho do amor que desestabiliza e revira e sempre deixa desnorteado um coração maleável, que se sente como que oco (o ar passa por ele e sai música, como flauta)... preciso... Olhei para o gigantesco volume de Guerra e Paz. Era impossível dormir depois do baile, tanto para Nataxa quanto para mim. Meu Deus, que oceano... que oceano é isso que eu não tenho!

9 de outubro de 2011

sobre a primavera de 2011

Curioso. É tarde de domingo, o dia está cinza e fresco e certamente todas as pessoas com alguma disposição de espírito ao encantamento e a bem-aventurança estão por aí respirando os primeiros ares da primavera desse ano. Ah, se os meus tempos fossem outros! Certamente teria as mãos dadas a alguém, ou um braço ao meu redor em um passeio por alguma avenida, ou estaria com L.D. numa longa fila para comprar ingressos no cinema (na primavera, especialmente em dias como os de hoje, é permitido ir ao cinema aos domingos, pegar filas e pagar mais caro como todos os outros o fazem e há um prazer todo peculiar em ser como os demais), ou mesmo sozinha em uma varanda de café a trocar olhares e olhar com despretensão a vida estendida como tapete florido.

Mas não! Os tempos são difíceis... É tempo de canecas vazias de chá e café ao lado do laptop, em acúmulo crescente. São os trabalhos, sim, são os trabalhos... mas não apenas. Há qualquer coisa em mim desconfiada da primavera, qualquer coisa que tem certeza que a primavera é um perigo para mim (repito pela milésima vez o começo do poema: quem vai pagar o enterro e as flores...). Não que eu esteja tentando me prender ao mundo, levar a minha rotina rigidamente e tenha medo de sair flutuando... não. Mas a primavera de outros tempos, de mãos dadas, passeios agradáveis e cafés não existe mais no meu íntimo.

Por que razão eu me ocupei tanto tempo em ver primaveras em todos os cantos, a ponto de deixar o seu gosto enjoativo e nauseabundo para mim (mulher de estômago frágil pelos cafés e pastilhas de todo dia)?

Afinal, meu Deus...De onde vem a primavera que não é minha?

9 de julho de 2011

de novo, Ray

Eu me sentia consideravelmente triste naquela manhã de sábado, especialmente porque minhas manhãs de sábado costumavam ser bastante agradáveis e incluiam café na cama, filminho debaixo do cobertor e a todo momento algumas exclamações como 'ah! hoje é sábado!'. Mas isso era naqueles anos bons em que a vida se resumia a estudar, debater, beber cerveja e se relacionar. Depois, houve uma mudança irreversível e eu costumava me dar conta de que os anos bons tinham passado nas manhãs de sábado. Naquela, em especial, viver me parecia vazio. Lembrei de que, certa vez, voltando do hospital onde fora visitar o avô, eu pensara que era o tipo de pessoa que acabaria tomando veneno mais por tédio do que por desespero. E adivinhem quem foi me salvar naquela manhã? 'Hit the road jack and don't come back no more, no more, no more'. Há! Não pude reprimir o sorriso que veio como que após a mordida de uma madeleine.

'Don't come back no more, don't come back no more'. O sorriso se expandiu e eu tive que colocar a música de novo porque começava em mim uma agitação deliciosa, que era qualquer coisa como um borbulhar estranho. Senti algo de mau em mim. Não vou contar a lembrança, que inclui um apartamento, dois amigos e um quarto elemento, o suposto Jack. Sabe, acho que se eu realmente fosse reconstruir a história, acabaria por ocorrer uma catarse que resultaria em... tédio. Não, vou ficar com as bolhas! 'Hit the road Jack annd don't come back no more, no more, no more...'.

16 de março de 2010

judaísmo

Tenho achado tudo um absurdo enorme, desde a moça sentada no ônibus, que não se oferece para carregar minha mochila pesada, até um aparecimento repentino de um conhecido de outros tempos, até alguém inoportuno tentando puxar assunto, não expresso nada, mas sinto que seria capaz de dar um tiro certeiro, frio e calculista nessas pessoas e isso é preocupante. Daria até um tiro em mim mesma nesses tempos em que resolveu me assolar um sentimento culpabilístico judaico, em que tenho me achado solitária e sem deus, em que pronuncio em voz alta que vou ao cinema a tarde e ninguem se oferece para me acompanhar, ah, se os tempos fossem outros!, penso. Acabo sempre saindo só, também não insisto, gosto de sair só, não depender de ninguém, então chego em casa e janto só porque L.C. tem uma vida social invejável e nunca está em casa, então tomo minha sopa em pó olhando a cidade de São Paulo pela vidraça e quero me jogar dali, mas continuo tomando a sopa, em silêncio, depois vou estudar. Nenhum ataque compulsivo, nenhum grito de pânico, nenhum meio-sorriso de desgosto, silêncio, olhar tranquilo, óculos de grau. Alguns suspiros discretos, não mais.

31 de janeiro de 2010

acudam!

Estou irritadiça, sem sono. Sinto o coração disparado e tenho fome, mas não vou comer. Reparem que ando em briga com meus desejos simplórios de novo. Tenho fome e não vou comer, tenho o coração disparado e não vou... Nem pense nisso!

Por que estão todos comemorando? Estão felizes pelo meu luxo da indecisão? Posso escolher, isso é bom? Eu mesma não busquei isso? Pois estão aí as tais das possibilidades.

-O que você vai fazer? - perguntou a avó no telefone, quando liguei para convidá-la para almoçar em casa amanhã.

-Camarão.

-Não, digo, pra onde você vai por fim?

Não vou culpá-la. Estão todos na expectativa. Me larguem, pelamor!, quero dizer. Mas não! Pelo contrário! Acho que queria mesmo é dizer: Não me larguem assim! Me digam o que fazer! Não me deixem escolher, por favor, estou enlouquecendo! Mãe? Pai? Eu é que lhes pergunto para onde vou, para onde vocês vão me mandar esse ano??

Não ouso pedir nada, na verdade. Mas fica implícito na minha angústia frente às comemorações e no meu "sei lá" diante das perguntas quanto ao futuro.

20 de janeiro de 2010

colchão

O que fizeste? Era o que me perguntava o colchão áspero, cujo lençol havia escapado. Inerte apesar do desconforto e do colchão falante, eu pensava no que fazer para nunca mais ter que levantar dali, como passar os próximos 80 anos sem me mover e sem encarar ninguém, se não o colchão questionador, em quem eu apoiava o corpo todo de bruços, inclusive a testa, comprimindo o nariz. Morta e com sede, meu deus, que sede... Como você conseguiu? Chega, colchão, certo? Já estou bastante culpada. Na verdade não digo culpada, digo triste, estou triste, colchão, acho que isso é muito mais que assumir a culpa, não? É dia de tomar o ônibus e voltar pra casa, amanhã tenho psicóloga, preciso inventar umas histórias, não posso contar as verdades todas pro teto acima do divã, que me encara e me julga em silêncio, argh, odeio aquele teto e ainda mais esse colchão. Despedir-me-ei da terapia em breve, antes da viagem pro Peru, onde meu pai comprou um pacote para vermos o vôo do Condor, em Arequipa, ele cantou uma musiquinha sobre isso e eu questionei com que direito uma empresa cobrava dólares das pessoas por umas aves que voariam inevitavelmente. Depois do Peru, é um mistério, o Peru é o fim, depois nada é certo, só o baile de formatura e a chegada de J., que vem passar uns dias aqui em casa. Ah, colchão, o que foi que eu fiz? Por que você se calou? Que sede de merda, que dor de cabeça.

19 de janeiro de 2010

na cama

O telefone tocou a primeira vez, tocou, tocou, tocou. Na cama, eu me sentia inapta a levantar e L.D. apenas se mexia de um lado para o outro. Parou. Consegui retomar o sono, até a segunda vez. Tocou, tocou, vi L.D. levantar, demorou um pouco e voltou para a cama, perguntou se eu estava acordada e eu não respondi, ela pareceu voltar a dormir. Lá fora chovia muito e entrava um ar gelado pelas frestas da janela, puxei o edredon, que cheirava a mofo.

O futuro é bom, Biethka, a frieza vai passar com as coisas boas que estão a caminho, o futuro é bom e cheira a mofo e eu me sinto tomada de sensações sem saber bem como reagir e é isso que chamam frieza. Você é fria, um gelo, não sente nadinha e faz o resto sofrer, indiferente, tranquila, queria dizer que sinto tudo, só não sei reagir, mas por que é que acordei pensando nisso? Nesse instante me vem um fragmento do sonho à memória e parece tudo explicado.

Por que teria sonhado isso? O sonho reflete os desejos do dia anterior, mas que desejo é esse que em vida eu neguei e em sonho me pareceu absolutamente aceitável? Ah, a psicanálise, um dia serei capaz de explicar todas essas coisas que cheiram a mofo. Vou saber enfim o que fazer com todas as coisas: explicar. Vou sentir e explicar, então darei um fim para todas elas, que não precisarão mais ficar rondando em sonhos, disfarçadas.

O telefone volta a tocar, tocar, tocar... tocar... L.D. não vai levantar, parece. Levanto-me, mas quando cruzo a porta do quarto já não há som nenhum.

5 de janeiro de 2010

ciclo

Que fazer se ele só gosta de mim quando estou triste? Pois tem-se aí um ciclo vicioso, já que é só eu captar qualquer demonstração de afeição da parte dele e ocorre uma pequena explosão em mim, as coisas se turvam, não consigo fingir indiferença, tampouco fantasiar uma angústia, não dá, me sinto feliz, tão viva, me dá tanta vontade de tratá-lo com carinho, com proximidade! E assim ele se afasta... E eu passo pelo desespero, depois a raiva, a inércia e termina em angústia, depois passo por um breve momento de alegria quando me constato triste, pois então sei que em breve ele vai se reaproximar, então acabo me perdendo e esqueço... E é aí que me aparece uma mensagem, à qual eu respondo formalmente, até com certa indiferença, alguma cautela, mas então essa cautela passa a ser forçada, tenho que me vigiar para não me deixar dominar por essa alegria incontrolável, mas não dá! E aí está, tudo de novo...

Ah, esse ciclo pode se passar em intervalos de tempo brevíssimos! E o que permeia tudo isso é um certo cansaço e algum conformismo da minha parte. Mas que fazer se esses lapsos de consciência do vício me são extremamente raros? Pois os estou registrando aqui para não me esquecer, embora esteja certa de que daqui algumas horas vou achar que isso é fruto da imaginação desse meu estado de espírito que no momento, vaga pela indiferença forçada e já está sendo preparado para explosões em breve.

"O que é que eu posso contra o encanto...?"

2 de janeiro de 2010

travesseiro

Entre as declarações, discursos e até mesmo conversas com meu travesseiro, onde já representamos as mais diversas relações, poucas vezes cheguei a dizer "eu te amo", e isso só aconteceu em momentos de inércia, em que me desconcentrei devido à música ou ao sono, ou quando quis transformar a cena em uma tragédia repleta de exageros. O fato é que ali, encarando meu inofensivo travesseiro, consigo pensar plenamente, dar nomes às sensações, elaborar bem as idéias, dizer o que realmente quero.

É raro que um momento de reflexão que não seja interrompido no meio resulte em amor. Denomina-se amor o que não tem nome ou explicação, algo como a fé, que é tida como inquestionável. Pode-se dizer que são tão inquestionáveis porque provêm ambos da dúvida, quando são questionados, deixam de existir e transformam-se em outra coisa. Só se diz que ama quando não se tem claro outros motivos para querer.

Abraço o travesseiro bem forte e depois o atiro longe ao dizer que o amo. Então seguro-o e elaboro outra frase, filosofo sobre algo ou leio para ele algum trecho de romance, então fico em paz comigo mesma e considero claros meus sentimentos em relação ao que representa o travesseiro.

Agora, quando após um inerte "eu te amo", atiro o travesseiro longe e passo a encará-lo, sem palavras, dominada por uma inércia de pensamentos mais forte que tudo, sem achar nada mais racional a ser dito, deixo-o ali onde caiu e vou fazer outra coisa, completamente angustiada. Só fazemos as pazes inevitavelmente na hora de dormir, quando ele volta magicamente a ser um travesseiro inofensivo e fofinho, nada além disso.

23 de dezembro de 2009

ao telefone

No telefone com V.S., enquanto espremo limões.

-Você tá estranha.

-Estou resfriada.

-Entendo...

Com o telefone preso entre o ouvido e o ombro, jogo as cascas no lixo e pego água e açucar na geladeira.

-Não vai mesmo me dizer o que tá acontecendo?

Coloco água gelada na limonada e desligo o fogo onde apita a chaleira.

-Não.

V.S. fica em silêncio, e apesar de estar incômoda a posição necessária para falar ao telefone, fazer limonada e esquentar o chá simultaneamente, eu não sentia a menor vontade de desligar e encarar o silêncio acusador dos utensílios de cozinha.

-Devia falar sobre isso com alguém, se não vai explodir.

Parei um pouco e levantei o olhar. Sobre a mesa da cozinha jazia um vaso de vidro com cravos vermelhos, combinando com a toalha na qual minha mãe me proibira de servir qualquer tipo de comes e bebes e que, no momento, se encontrava repleta de migalhas de pão. Tentei suspirar, mas meu nariz estava entupido, então simplesmente funguei e disse:

-Queixo-me às rosas - e voltei minha atenção para o açucareiro. Já contava a quarta colherinha despejada no suco quando V.S. me respondeu exatamente o que eu achei que ele fosse dizer:

-Faz muito bem, pois as rosas não falam.

-Exato!

Depois usei a limonada e o chá como pretexto para desligar e, antes de voltar-me a eles, troquei a água do vaso dos cravos vermelhos.

17 de dezembro de 2009

ISSO

Senti uma fisgada. Não é uma boa palavra pra definir o que senti, mas não consegui pensar em nada melhor. Um NEGÓCIO, uma COISA. Argh.

A casa está barulhenta, não consigo pensar sobre ISSO.

Minha mãe remarca a massagem que cancelou hoje para depois de amanhã.

Meu pai pergunta se alguém se impõe ao fato dele ir tomar banho agora.

Meu irmão, que está no computador, às vezes grita, achando que algum deles está falando com ele.

E eu, com o laptop na cozinha, estou em silêncio e sinto algo. Parem todos! Eu quero pensar sobre isso! Dou um gole no meu chá. Minha mãe passa por mim, reclamando do chiado no telefone e meu irmão, à distância, grita, manifestando sua indignação com a mesma causa. Eles vão se unir agora e tentar ligar para a telefônica.

Um pouco de silêncio. Nessa confusão, quase me esqueci do ALGO. Minha mãe passa por mim de novo, pega meu chá por engano, dá dois passos e devolve, o dela estava na sala. Silêncio. Antes de tentar lembrar do algo, minha mãe e meu irmão agora falam sobre o homem que virá pregar um espelho amanhã, ela dá as indicações pois meu irmão é quem estará aqui. Em um segundo, o assunto volta ao telefone e me perguntam qual o número que eu ligo quando dá problema na internet. Não lembro. Me deixem fora disso.

-Beatriz, gostei do chá.

-É pra ligar 10315 - grita meu irmão, de um cômodo distante.

Silêncio.

-REPARO-LINHA-TELEFÔNICA - ouço minha mãe falando com a máquina pelo telefone.

O que devem estar pensando é por que eu não vou para o meu quarto pensar sobre minha fisgada, meu ISSO, essa COISA que... dói! Por isso mesmo, prefiro dar um nome só a tudo isso: angústia. Sei que daqui a pouco todos vão dormir e eu vou passar algumas horas num silêncio sombrio, atormentada, tentando não pensar nisso que eu finjo querer pensar agora, numa insônia infeliz provocada por minha luta para evitar esses pensamentos inevitáveis.

Agora minha mãe aguarda do outro lado da linha. Meu irmão deve estar concentrado, seja lá em que cômodo da casa ele esteja agora. Meu pai ainda deve estar no banho. Chove. ISSO me parece simplesmente impensável nesse silêncio todo.

11 de dezembro de 2009

diálogo

-Então é isso.
-Pois é, a gente tem que retomar a vida real.
-Não dá pra viver só de fantasia, não é?
-Não... não sei se dá.
-Não, acho que não dá mesmo.
-E se.. só mais uma semaninha?
-Não, a gente tem que voltar, a realidade se impõe.
-Fato.
-É isso aí.
-A vida é uma merda.
-E se a gente se transformasse em personagem?
-E se nós formos personagens?
-Somos capazes de persuadir o narrador?
-Esquece.
-É. Vida real.
-Sim.
-Me sinto um pássaro na gaiola.
-Idem. Um pássaro voltando à gaiola.
-Foi um prazer o nosso passeiozinho pela moita.
-Agora, gaiola.
-Oh, vida real de merda.
-Isso é angustiante.
-Antes nunca tivesse saído da gaiola.
-Antes pudéssemos viver do lado de fora.
-Mas não dá.

-Não, não dá.

3 de dezembro de 2009

os sofrimentos da jovem B.

Já somavam oito as chamadas perdidas na tela do celular, quando, de forma inconsciente, fui para a cozinha e comi duas fatias de melão, cinco cerejas, três lichias, uma colher de aveia e uma fatia de pão. Olhei para a tela do celular, nenhuma nova chamada por enquanto. Deixei-o na mesa.

Sentei no sofá, peguei a gata no colo, ela ronronava e soltava pêlos.
-Eu vou embora, cacá - disse eu - Vou fugir.

Ela não respondeu. Eu a acaricio, por isso ela não se importa se eu digo que vou fugir. Quando eu realmente for embora, talvez ela se incomode nos primeiros dias, depois ficará feliz em se apossar da minha cama. Acariciei suas orelhas e ela fechou os olhos.

No dia anterior estivera com amigos e anunciara meu casamento para daqui algumas semanas. Depois, no metrô, repensando, percebi que tinha apenas algumas semanas para preparar uma boa fuga, dessas que deixam rastros e tudo o mais.

Imaginei as reações quando eu dissesse que iria embora. Não haverá casamento.
Lembrei-me de um trecho do livro de Goethe. Deixei a gata no sofá e subi para pegá-lo.

"Em breve perderei as minhas forças, em breve a tempestade virá arrancar as minhas folhas! Amanhã chegará o viajante, chegará aquele que me viu em minha beleza, os seus olhos me procurarão pelos campos e não me encontrarão".

Suspirei e guardei o livro. Também sou uma jovem que sofre, Werther, se isso te consola, mas não consola, você está morto, ou melhor, você é um personagem. Você é imortal, Werther. Como me torno um personagem? Pensando bem, para que imortalizar mais uma angústia tão medíocre como a que compartilhamos o jovem Werther e eu?

No andar de baixo, o toque do celular me fez despertar do devaneio num instante. Abandonei Werther na estante e corri para atender.

26 de novembro de 2009

desencontros

Mordo as pontas das unhas.
Como biscoitos de castanhas.

Abro a geladeira, ligo a televisão, apago a luz, desligo a televisão, como mais biscoitos e uma maçã, suspiro, olho de um lado pro outro, ninguém. Não consigo absorver as notícias da internet, as letrinhas balançam, rodopiam, voltam ao lugar e estão completamente isentas de informação.

Respirar se tornou difícil, o ar me falta. Mais biscoitos. Ligo a televisão novamente, mas ela não diz nada, não traz respostas, as notícias nada tem a ver com a minha agonia, que o mundo se acabe, que o Maluf seja ou não preso, que o Brasil apoie ou não o Irã. Desligo de novo.

Lá fora chove. Aqui dentro, eu tento me lembrar como fui parar naquela repartição administrativa enquanto perdia aula de literatura, "querida, você é Beatriz Chnaiderman? Conhece essa pessoa?", sim, eu me lembrava vagamente daquela pessoa. E agora essa pessoa me pesa na consciência, assumi um compromisso, mas mal consigo me lembrar de seu rosto. Ele se lembra do meu. Dizem que me cumprimentou enquanto eu corria alegre na chuva, mas eu não o vi. Depois ele falou a meu respeito, disse que sente minha falta, quer reatar relações comigo, que relações, meu Deus??? Tínhamos uma foto tirada há 3 anos, contra a minha vontade, que ele ainda guarda. Está planejado, pelo bem de todos, vou vê-lo, dizer que estou indo estudar longe, conversar amigavelmente.

Cada ser humano é um mundo, foi o que ouvi depois, conversando com M.M. e L.D. no intervalo antes da prova de matemática.

16 de novembro de 2009

desespero

Sou limitada pelos meus desejos, é bem simples. Surgiu um infeliz desejo em contraste com a maioria e a repressão não obteve sucesso, causou-me um grande abalo, e agora questiono por que esse desejo infeliz me traz TANTA angústia. Eu quero realizá-lo, mas todos os outros pesam pro lado contrário, querem que eu reprima, mas não consigo, ele ainda está do lado consciente, insiste em se manter lá. Começo a questionar outros desejos. Por que comer? Não vou comer. Entro em completo desespero, falando sozinha, dando voltas na cozinha, olhando a fatia de pão que eu mordera de manhã como um café da manhã simbólico, ela me parece atraente. DESEJO comer a fatia de pão... Não! Não vou comer a fatia de pão, vou dominar esse desejo, vou escolher o que desejo ou não. Comi, comi a fatia de pão! Meu Deus, estou completamente dominada por esses desejos que não controlo!! Mando uma mensagem a T.S. completamente desconexa pois desejo que ele se faça presente de alguma forma. Ele não se faz e não há nada que eu possa fazer com esse desejo, ele foi simplesmente contrariado. Todo mundo tem domínio sobre meus desejos, menos eu! Que desespero!

15 de novembro de 2009

resfriado

Não posso nem me dar ao luxo de me dopar pra dormir, porque tenho que acordar amanhã e ir fazer vestibular de qualquer jeito. A angústia é grande, pesou durante o dia todo, e ela não acaba amanhã, depois da prova, nem depois do resultado, ela me atormentou sempre, continua atormentando e vai continuar, continuar. E ainda estou resfriada.

Nada de remédios. Tomo um chá com gengibre. Não tenho vontade de ler. As horas hoje me pesaram horrores entre meus compromissos e durante eles também. E continuam pesando. Eu devia dormir, porque então as horas passariam mais rápido. E eu não sei até quando eu quero que elas passem, o que eu espero exatamente?

Mordo a pontinha da fronha. Ventilador, Bach, a janela entre-aberta. As pessoas da casa assistem televisão lá embaixo, pelo menos quando eu subi elas estavam lá, mas já deve fazer muito tempo, talvez já tenham subido.

Queria ir embora daqui e não ter que me levar junto.

10 de novembro de 2009

um par de olhos

Os olhos dele perderam-se nos meus desde o primeiro olhar, os meus estavam longe, mirando bem perto um belo par de olhos azuis e vazios. Quando meus olhos vagaram, evitei o olhar dele e logo me fixei num par de olhos escuros que se pregaram nos meus, grudaram, e foi um alívio poder enxergar de novo depois. E os olhos dele, perdidos nos meus, e o meu olhar longe. E tanto eu olhei o longe, que os olhos que se perderam nos meus foram parar lá, longe, muito longe. Meus olhos gelaram de ódio, eu tentei olhar pra perto, olhei pros lados, mas minha cabeça estava longe e foi pra lá que meus olhos se voltaram e avistaram aqueles olhos tranquilos, que me olharam sempre de longe quando perto, e pareciam tão perto agora longe. Outros olhares me encantaram, meus olhos olharam de esguelha uns olhos muito verdes, e outros embriagados, acabaram até mesmo perdendo-se no silêncio de dois pares de olhos muito parecidos, mas acabaram por voltar-se sempre pros olhos que me olhavam de além do mar. Agora o par de olhos perdidos em mim voltará para perto, e os meus, o que faço com eles? Aprenderão a olhar pra perto definitivamente ou arranjarão o que ver lá longe? O que eles buscam afinal: um par de olhos profundos para si ou simplesmente o longe, cuja distância ilimitada permite uma visão inesgotável?

8 de novembro de 2009

sobre o ciúme

Estou frustrada.

Ontem mesmo estava num café com meu pai, onde defendi que o ciúme só existe porque nesta sociedade pode-se apenas ter um parceiro amoroso, logo, quando você vê a pessoa que ama com alguém interessante, imagina logo que será trocado, e aí está: ciúme. Se pudéssemos ter tantos amantes quanto amigos, o ciúme não seria nada além de uma pequena disputa por atenção, não muito diferente do ciúme de amigos, que não chega a ser doentio.

Dormi tranquilamente, acordei, ainda tranquila, comi torradinhas, tomei suco de limão, entrei no computador para ver em que sala faria a prova da UNESP... Fui deixar um recado, vi algo que fez meu coração disparar, me deu vontade de apagar todas as minhas fotos, vontade de sumir pra sempre e deixá-lo louco atrás de mim, vontade de fugir pra muito longe e não dar mais notícias, quis fechar o notebook, ir tomar um banho, quis nunca ter visto nada daquilo, por que merda eu fui olhar o que não era da minha conta? Odiei a mim mesma por ter visto o que não devia, odiei-me ainda mais por ter me abalado tanto, e odiei ainda mais ele próprio por ter me feito sentir tudo isso.

E cadê a liberdade que eu defendo? Cadê o desapego, o livre-arbítrio, a poligamia?
Eu me odeio, odeio, odeio por isso, mas não posso deixar de sentir essas coisas mesquinhas! Vou tratar de reprimir isso imediatamente, agir como se nada tivesse acontecido e deixar que ele pense que esse texto no blog refere-se a outra pessoa.