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9 de setembro de 2011
notas de viajante
E fui indo, indo, indo... até que cheguei em um ponto em que senti a monotonia daquele movimento de me afastar. Virei pra trás, olhei-o nos olhos e perguntei: pra quê? Continua, ele respondeu. E fui, fui... cruzei um bom pedaço do mundo com pouca coisa em mãos, com algumas memórias retalhadas e sem motivo nenhum. Mas ia... e ir era tão só, era verbo intransitivo. Já chegando ao ponto de onde partira, reconhecendo a paisagem árida que cercava o local onde passara toda a vida, olhei-o novamente, mas dessa vez meus olhos estavam cheios de lágrimas amargas, enquanto ele sorria com candura, parecia um anjo. Perguntei: Por que?, e ele respondeu: Continua, minha criatura, continua que está chegando. E fui indo, indo, indo... naquela monotonia que se chama continuar indo. Há alguns minutos olhei pra trás e fitei-o, cheia de ódio, então perguntei: PARA ONDE?! Para sempre, foi o que ele respondeu com um sorriso maligno e um olhar oblíquo.
1 de maio de 2010
divisão notável
Coisa bastante simples, porém notável, vi esta noite, passando de carro por higienópolis, ao lado de meu pai, voltando da casa do avô. Estávamos em silêncio, ouvindo Caetano, e volta e meia um de nós dizia algo que findava em si mesmo, como "esfriou esses dias", ou então algum comentário sobre a obra de Durkheim ou uma pretenção de romance da parte de algum escritor mais ou menos conhecido que alguém leu no jornal. Mas no geral, silêncio. Ele elogiou minha aparência, disse que eu parecia muito descansada e feliz, que da outra vez que me viu, eu lhe causara uma impressão ruim e ele estava preocupado, mas isso foi na mesa do chá, com o avô. A tal cena notável, observada de dentro do carro e nesse contexto foram duas meninas pequenas, não deviam ter mais de oito anos, dividindo um só casaco. Cada uma tinha um braço em uma das mangas e pareciam ter o outro de modo desconfortável, uma o tinha levantado para o alto, e a outra não pude ver como arranjou-se. Mas estavam sorridentes, plenamente satisfeitas no seu desconforto, andavam sozinhas naquela noite, na calçada, agasalhadas do vento. Pensei em comentar com meu pai, quando paramos no semáforo e elas passaram andando ao nosso lado, mas não o fiz. Se o fizesse, não teria diferença alguma.
14 de fevereiro de 2010
os suspiros
Hoje fui ao cinema sozinha, assistir um filme oriental do qual ainda não ouvira ninguém falar a respeito, e reparei que a moça ao meu lado não parava de suspirar, de modo até inconveniente. Não era um romance, tampouco havia gente bonita, nem momentos de tensão, nem melodramas... Por que é que a moça suspirava tanto? Eu não prestara muita atenção quando o casal entrara na sala, mas pelo que me lembrava, eram de meia idade, de aparência comum, nada me chamara atenção. Seriam aqueles suspiros de tédio? Ou um afago discreto, desses que desesperam por não ter como expressar, gritar, gemer, atirar-se no colo? Ou ela estava com a cabeça em outro lugar, lembrando de algo triste, penoso? Um remorso? O fato é que a todo instante, os suspiros me desconcentravam do filme e eu passava a ter idéias um tanto romanescas sobre aquela mulher ao meu lado, oculta no escuro da sala de cinema. O filme, depois de duas horas e meia, acabou e as luzes se acenderam sem nenhum suspiro. Observei o casal se levantar. Realmente, deviam ter uns 40 anos cada um, ela usava um vestido estampado e seus cabelos eram castanhos e curtos. Normal. Nada romanesco. Que decepção... Quisera as luzes nunca tivessem sido acesas e essa moça teria para mim uma personalidade, uma fisionomia e uma história muito mais interessantes a cada suspiro!
7 de dezembro de 2009
notas na casa do pão de queijo
I - O casal da frente
Ele come um toast, apressado, enquanto fala e gesticula. Parece ter muita pressa. A moça tem uma expressão feliz, mexe seu suco com o canudinho enquanto, com o queixo apoiado no punho, oberva seu interlocutor. Ela chegou antes, já comera seu próprio lanche e pedira o dele, que esfriava sobre a mesa à sua espera. Ele chegou, falando, mal a olhou nos olhos e já se sentou, depois ela lhe ofereceu a boca, ele olhou como quem tinha pressa demais para corresponder e, rapidamente, deu-lhe um beijo no canto dos lábios enquanto mantinha os olhos atentos no toast. Voltou a falar, enquanto comia. Agora, cinco minutos depois dele ter chegado, uma senhora já está ocupando a mesa. Os dois saíram enquanto ele ainda mastigava o lanche. Ele não lhe deu a mão, pois estava carregando uma caixa de papelão desmanchada e um guarda-chuva.
II - O senhor do balcão
Ele olhava pro chão até dar de encontro com meus olhos, que o observavam tranquilamente e então se desviaram intimidados, voltando-se para o caderno. Nada de muito diferente para a Avenida Paulista: um senhor de terno, tomando seu café, com a cabeça longe e o olhar no chão. Agora seus olhos preocupados me olham, sinto-os me analisando enquanto escrevo sobre eles. São de uma dureza triste, parecem aprisionados, conformados, porém sonhadores, estão apertados no terno cinza, querem fugir e fitam minha mochila, minhas botas, meus jeans. Fita meu caderno e nem sabe que está olhando para sua imagem distorcida nessas folhas amareladas de papel reciclado. Parece aborrecido, volta a olhar para o chão. Está desolado. Lanço-lhe um olhar benevolente, mas ele não corresponde. Seu café deve ter acabado, agora só há o chão e os sapatos. Imagino-o de sobrecasaca azul e colete amarelo, nesta mesa posição, porém há dois séculos. Vejam se não é o jovem Werther!
Ele come um toast, apressado, enquanto fala e gesticula. Parece ter muita pressa. A moça tem uma expressão feliz, mexe seu suco com o canudinho enquanto, com o queixo apoiado no punho, oberva seu interlocutor. Ela chegou antes, já comera seu próprio lanche e pedira o dele, que esfriava sobre a mesa à sua espera. Ele chegou, falando, mal a olhou nos olhos e já se sentou, depois ela lhe ofereceu a boca, ele olhou como quem tinha pressa demais para corresponder e, rapidamente, deu-lhe um beijo no canto dos lábios enquanto mantinha os olhos atentos no toast. Voltou a falar, enquanto comia. Agora, cinco minutos depois dele ter chegado, uma senhora já está ocupando a mesa. Os dois saíram enquanto ele ainda mastigava o lanche. Ele não lhe deu a mão, pois estava carregando uma caixa de papelão desmanchada e um guarda-chuva.
II - O senhor do balcão
Ele olhava pro chão até dar de encontro com meus olhos, que o observavam tranquilamente e então se desviaram intimidados, voltando-se para o caderno. Nada de muito diferente para a Avenida Paulista: um senhor de terno, tomando seu café, com a cabeça longe e o olhar no chão. Agora seus olhos preocupados me olham, sinto-os me analisando enquanto escrevo sobre eles. São de uma dureza triste, parecem aprisionados, conformados, porém sonhadores, estão apertados no terno cinza, querem fugir e fitam minha mochila, minhas botas, meus jeans. Fita meu caderno e nem sabe que está olhando para sua imagem distorcida nessas folhas amareladas de papel reciclado. Parece aborrecido, volta a olhar para o chão. Está desolado. Lanço-lhe um olhar benevolente, mas ele não corresponde. Seu café deve ter acabado, agora só há o chão e os sapatos. Imagino-o de sobrecasaca azul e colete amarelo, nesta mesa posição, porém há dois séculos. Vejam se não é o jovem Werther!
15 de novembro de 2009
e-mail a J.
J.,
Não escrevo aqui o noticiário familiar periódico, que você costuma ler e responder apenas sobre um tópico, e sim um e-mail breve, te pedindo pra responder os e-mails do papai. Sabe como é, ele tem se tornado mais sentimental ultimamente, e o que antes podia passar despercebido, como a ausência de uma resposta, agora é um motivo de angústia e resmungos frequentes. Sei que você está bastante ocupado por aí no Chile com a universidade, e sem internet e telefone em casa, e eu mesma volta e meia esqueço de responder e-mails, mensagens, ou até mesmo chamados vocais, mas por favor, se esforce! E se ele não mandar nada, mande notícias por espontânea vontade, é importante pra ele e pra nós todos!
Beijo
Bia
PS: Tenho me saído até que bem nas primeiras fases dos meus vestibulares para a surpresa geral.
Não escrevo aqui o noticiário familiar periódico, que você costuma ler e responder apenas sobre um tópico, e sim um e-mail breve, te pedindo pra responder os e-mails do papai. Sabe como é, ele tem se tornado mais sentimental ultimamente, e o que antes podia passar despercebido, como a ausência de uma resposta, agora é um motivo de angústia e resmungos frequentes. Sei que você está bastante ocupado por aí no Chile com a universidade, e sem internet e telefone em casa, e eu mesma volta e meia esqueço de responder e-mails, mensagens, ou até mesmo chamados vocais, mas por favor, se esforce! E se ele não mandar nada, mande notícias por espontânea vontade, é importante pra ele e pra nós todos!
Beijo
Bia
PS: Tenho me saído até que bem nas primeiras fases dos meus vestibulares para a surpresa geral.
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