20 de janeiro de 2010

colchão

O que fizeste? Era o que me perguntava o colchão áspero, cujo lençol havia escapado. Inerte apesar do desconforto e do colchão falante, eu pensava no que fazer para nunca mais ter que levantar dali, como passar os próximos 80 anos sem me mover e sem encarar ninguém, se não o colchão questionador, em quem eu apoiava o corpo todo de bruços, inclusive a testa, comprimindo o nariz. Morta e com sede, meu deus, que sede... Como você conseguiu? Chega, colchão, certo? Já estou bastante culpada. Na verdade não digo culpada, digo triste, estou triste, colchão, acho que isso é muito mais que assumir a culpa, não? É dia de tomar o ônibus e voltar pra casa, amanhã tenho psicóloga, preciso inventar umas histórias, não posso contar as verdades todas pro teto acima do divã, que me encara e me julga em silêncio, argh, odeio aquele teto e ainda mais esse colchão. Despedir-me-ei da terapia em breve, antes da viagem pro Peru, onde meu pai comprou um pacote para vermos o vôo do Condor, em Arequipa, ele cantou uma musiquinha sobre isso e eu questionei com que direito uma empresa cobrava dólares das pessoas por umas aves que voariam inevitavelmente. Depois do Peru, é um mistério, o Peru é o fim, depois nada é certo, só o baile de formatura e a chegada de J., que vem passar uns dias aqui em casa. Ah, colchão, o que foi que eu fiz? Por que você se calou? Que sede de merda, que dor de cabeça.

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