Mostrando postagens com marcador G.H.. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador G.H.. Mostrar todas as postagens

15 de fevereiro de 2013

G.H. traz em uma bandejinha de vidro duas canecas de chá quente. Está abafado e eu encaro a mala aberta em cima da cama, ainda vazia. Ele deposita a bandeja de chá sobre a escrivaninha com um suspiro e posso ouvi-lo sentar-se na cadeira. Sinto-o me encarando pelas costas, com desapontamento.

-Qual é a dessa vez? Por que está a todo esse tempo encarando essa mala vazia?

Volto-me para olhá-lo, sem responder, com um meio sorriso no rosto. Sento na beirada da cama, respeitando o espaço da mala.

-Sabe... Não tenho a menor ideia. Não consigo pensar nas próximas duas horas. Acho que vou morrer.

-Ah, dindi... - cantarola G.H.

-Não consigo, não consigo, não consigo! Mas que diabo!

Ele se levanta, abre uma gaveta do guarda-roupa, atira quatro calcinhas da mesma cor dentro da mala, depois o biquini, um sutiã de cor diversa à das calcinhas, uma toalhinha. Eu o observo, perplexa, enquanto desvio das coisas para que elas caiam devidamente no lugar em que devem, embora não esteja muito certa de que ele não as queira atirar em cima de mim. Ele para um pouco e me olha com deboche.

-Quer mesmo que eu continue?

-Não vou impedir.

Ele se senta ao meu lado e me faz carinho nos cabelos. Eu desfaleço, desabo, estraçalho toda minha firmeza e auto-afirmação diante do que eu considerava ser o mundo no colo de G.H.

-Viajar, G.H.! "Para que e para onde, se a gente é sempre mais infeliz na volta?"

-"Infeliz e vazio, situações e lugares desaparecidos no ralo..."

Um minuto de silêncio fantasmático no colo de G.H. e reergo-me.

-Não vou. Mesmo. 


4 de fevereiro de 2010

adeus

Ai, que desespero! Vaguei por aí a tarde toda, deveria estar comemorando, triunfante, feliz... Fiz um bolo agora à noite, ele está no forno e meu desespero se mantêm desde a noite passada.

Acontece que G.H. me deixou. Simples. Bebi, ri, abracei L.D., comi pizza, fiz o bolo... mas estou incompleta! Praticamente sóbria, enquanto quebrava os ovos e separava as gemas das claras, tentei reproduzir mentalmente o diáologo da noite passada, e eis aqui seu registro, provavelmente alterado pelas minhas impressões.

Eu estava febril, minha pele ardia tanto e meus olhos lacrimejavam de tal modo, que eu seria capaz de jurar que nunca voltaria ao normal, como no verão sou capaz de pensar que nunca mais vou passar frio e no desespero digo a todo mundo que nunca fui ou serei feliz. Nesse estado, G.H. esteve sentado numa cadeira, ao lado da minha cama. Eu me mexia, chutava o lençol, depois me enrolava, com frio, depois me sentia arder, chutava, me debatia de raiva nessa instabilidade e G.H. mantinha os olhos preocupados. Ele me serviu uma limonada gelada e eu me senti melhor, de modo que pude analisá-lo pela primeira vez naquela noite.

Estava pálido e um bocado inquieto. Durante minhas crises de frio e calor, acariciava-me os cabelos e passava as mãos pelo meu rosto distraidamente. Mastigava chiclete, coisa que sempre reclamara em mim. Neste momento, em que me sentei na cama para beber o suco e observá-lo, ele analisava as próprias unhas. Estava infeliz, isso era notório. Eu cheguei a ficar preocupada.

- O que se passa, meu querido G.H.?

Ele me encarou nos olhos. Acontece que me perdi naquele olhar porque sou incapaz de olhar um belo par de olhos e prestar atenção nas palavras. Mas ele deve ter dito algo como "estou preocupado com você" e eu só fui pensar em responder quando ele, de propósito, fechou os olhos, sabendo que eles me distraiam.

-Desculpe, você sabe, não posso evitar.
-Você cresceu tanto, ma petit...
-Por que diz isso agora, que eu estou febril e acamada como um bebê?

Ele se debruçou sobre mim e me beijou a testa quente, de leve. Quando voltou para seu lugar, estava de olhos abertos de novo e eu olhei para o teto, pronta para encarar a conversa que estava buscando evitar. Meu coração palpitava forte e eu chutei o lençol para fora da cama.

-Vai aprender a se virar sem mim... - começou G.H.
-Vou sim.
-Se você esquecer de mim, eu aparecerei de vez em quando...

Olhei-o com o canto do olho. Estava desumanamente pálido, devia estar doente também.

-Serás feliz...
-Mentira!
-Talvez seja mentira mesmo... Não posso prever, estou tentando tranquilizar uma mocinha doente! - exclamou G.H.

Não posso prosseguir no relato, meus senhores. Acontece que nesse exato momento, fitei G.H. com um ódio no olhar maior do que tudo e o olhar dele... era de adeus mesmo! Não havia ódio, tampouco pena, nem dor... apenas uma inquietação e um adeus. Voltei a deitar, senti uma sonolência, disse a G.H. que estava morrendo e ele nem se mexeu, estendi a mão para o chão, puxei o lençol, me enrolei, tremi, mantive os olhos fechados, sentido a presença de G.H. Vi cores quentes, vi olhos, milhares deles, vi um forno de pizza, vi o Pedaço da Pizza com todos os rapazes que eu levara lá, vi a linha do trem em Assis sob o sol forte e não vi mais nada.

Quando acordei, como era de se esperar, G.H. não estava mais lá e a cadeira estava encostada na escrivaninha.

27 de janeiro de 2010

Gardel e o calor

-Se eu tivesse alguém por quem ficar, eu teria mais um motivo para ir embora.

G.H. já sabia que eu diria algo do tipo quando mencionou certo alguém.

-Do que estamos fugindo exatamente? - me pergunta ele, enquanto escolhe um CD para ouvirmos. Estamos sós, lá fora faz muito calor.

-Não digo que fugimos, digo que estamos procurando nós mesmos cada vez mais, somos muito intimistas - respondo, olhando pro teto branco do quarto - Está certo, acabamos fugindo do que está além de nós, da realidade, do mundo lá fora.

Ele escolheu Gardel. G.H. adora tangos. Senta-se na beirada da cama e pega minha mão.

-Realmente. Faz mais de 3o graus lá fora e aqui dentro suas mãos estão geladas.

Ele esfrega minhas mãos.

-Há tanto que explorar em nós dois, não precisamos sair, lá fora está calor e trânsito, aqui está fresco, tem comida e toca tango - digo, tirando minhas mãos das dele.

-A comida vai acabar, minha querida.
-Vamos comprar mais, sem traumas.
-O dinheiro vai acabar também.

Silêncio. G.H. as vezes é um bocado irritante.

-Mas não acabou, agora fique quieto, vamos ouvir o CD, depois podemos tomar sorvete ou deitar no chão gelado da cozinha, aqui dentro está começando a esquentar e isso me parece terrível.

-É inevitável - conclui G.H. e faz-se silêncio entre nós.

25 de janeiro de 2010

caixinha de brincos

Aflita, digo para G.H., que está olhando minha caixinha de brincos, tentando desembaraçá-los e obtendo relativo sucesso:

-Eu quero tocar fogo nesse apartamento.
-Isso aqui é uma casa - ele responde, calmo, analisando um brinco de cristal que eu ganhara no dia dos namorados de 2008.
-Mas na música é um apartamento.
-Mas aqui é vida real.

Ele me encara, ainda com o brinco na mão e a caixinha no colo.

-Você fala como se nós dois fôssemos de verdade, G.H.

Cheio de rancor na voz, ele volta a olhar para o brinco e diz:

-Você é, Beatriz.

Irritada, olho para o relógio e depois para a janela fechada.

-Você, G.H., é um personagem efêmero da minha trama.

Nossos olhares rancorosos se cruzam e logo se repelem. G.H. volta a vasculhar a caixinha e eu volto a planejar minha fuga triunfal.

23 de janeiro de 2010

samba da bênção

-O que acha que eu devo fazer, G.H.?
-Devia esconder tudo de todo mundo.
-Não acha que eu enlouqueço?
-Acho.
-E o que eu faço depois?
-Aprende a tocar um instrumento, oras.

De braços dados, andamos pelas ruas do centro, atrás de um lugar para tomar café. G.H. está triste.

-E você, o que está escondendo de mim? - pergunto.
-Não vou dizer.
-Então vai acabar como eu.
-Pelo menos eu já toco violão.

Apertei o seu braço e consegui arrancar um sorrisinho torto.

-"É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe..." - cantarola G.H., com os olhos no céu.

Silêncio.

-"A bênção que eu vou partir..." - sussurro.
-"Eu vou ter que dizer adeus."

Silêncio. Seu braço está frouxo. Avisto um Fran's Café na próxima esquina e corro para lá, puxando G.H. pela mão, mas conforme o presvisto, ele logo passa na minha frente e quem passa a ser puxada sou eu.