Já somavam oito as chamadas perdidas na tela do celular, quando, de forma inconsciente, fui para a cozinha e comi duas fatias de melão, cinco cerejas, três lichias, uma colher de aveia e uma fatia de pão. Olhei para a tela do celular, nenhuma nova chamada por enquanto. Deixei-o na mesa.
Sentei no sofá, peguei a gata no colo, ela ronronava e soltava pêlos.
-Eu vou embora, cacá - disse eu - Vou fugir.
Ela não respondeu. Eu a acaricio, por isso ela não se importa se eu digo que vou fugir. Quando eu realmente for embora, talvez ela se incomode nos primeiros dias, depois ficará feliz em se apossar da minha cama. Acariciei suas orelhas e ela fechou os olhos.
No dia anterior estivera com amigos e anunciara meu casamento para daqui algumas semanas. Depois, no metrô, repensando, percebi que tinha apenas algumas semanas para preparar uma boa fuga, dessas que deixam rastros e tudo o mais.
Imaginei as reações quando eu dissesse que iria embora. Não haverá casamento.
Lembrei-me de um trecho do livro de Goethe. Deixei a gata no sofá e subi para pegá-lo.
"Em breve perderei as minhas forças, em breve a tempestade virá arrancar as minhas folhas! Amanhã chegará o viajante, chegará aquele que me viu em minha beleza, os seus olhos me procurarão pelos campos e não me encontrarão".
Suspirei e guardei o livro. Também sou uma jovem que sofre, Werther, se isso te consola, mas não consola, você está morto, ou melhor, você é um personagem. Você é imortal, Werther. Como me torno um personagem? Pensando bem, para que imortalizar mais uma angústia tão medíocre como a que compartilhamos o jovem Werther e eu?
No andar de baixo, o toque do celular me fez despertar do devaneio num instante. Abandonei Werther na estante e corri para atender.
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Amantes da literatura romântica estão fadados ao suicídio antes dos 30, não?
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