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19 de fevereiro de 2010

café da manha porteño

No primeiro dia, desci ansiosa por um café da manha tipicamente porteño, idealizava empanadas de todos os sabores, medialunes doces e salgados, pessegos e maças suculentos, mate a vontade e uns alfajores de chocolate ou maizena (podia ser só de um sabor). E entao, a primeira decepçao foi nao encontrar uma mesa de buffet. Sentamos, minha mae e eu. Trouxeram duas xícaras, dois copinhos pequenos (desses de vodka) com suco de laranja industrializado e um pequeno bule de café e outro de leite. A funcionária nos serviu e levou os bules embora, café é muito caro por aqui. Ela voltou com uma cestinha com alguns medialunes (croissants) e um pratinho com pequenas embalagens de geléia de morango e umas de manteiga. Oras, as medialunes eram doces, meladas, o café era fraco e nao gosto de geleia, que decepçao!

No dia seguinte, tendo dormido cedo na véspera (vinho além da conta), acordei antes das 8, enquanto estavam todos dormindo. Sem ilusoes quanto ao cefé da manha, resolvi sair para comprar algo. Vesti-me com um vestido curto estampado e uma capa preta leve, pois embora estivesse calor, Buenos Aires tem uma brisa matinal bastante gelada. Dessa forma, saí para a rua porteñamente, entre os outros porteños que estavam indo para o trabalho. O hotel é no centro, as ruas sao largas e repletas de predios antigos, parecidos com os do centro de Sao Paulo, porém um pouco mais conservados. Fui a uma quitanda e comprei uma salada de frutas refrigerada. Como todo quitandeiro típico, aquele era bastante simpático e sorridente, embora nao fosse japones. Me corrigiu quando eu disse "Buenos Dias", pois aqui se diz "Bueno Dia". Em frente a quitanda, há uma padaria e eu comprei umas empanadas de carne e um docinho folhado para levar. Pelo jeito meu espanhol está sendo suficiente para a comunicaçao breve, embora fique na cara que nao sou daqui. Muitos tentam falar ingles comigo, mas logo digo que sou o Brasil e eles parecem bastante desapontados, pois há brasileiros brotando do asfalto com o real valorizado como está. Na volta para o hotel, comprei um Diario de La Nacion Argentina e apreciei meu statos de jovem informal com sacolas e um jornal debaixo do braço pelas ruas de Buenos Aires.

Cheguei no quarto, estavam todos acordando. Descemos para o café e... havia torradas! Todos comeram torradas e ainda por cima, reclamaram de eu ter comprado empanadas, pois aquilo era desnecessário. Eu mesma nao as comi, comi as tais das torradas e tomei meu café fraco sem açucar. Aliás, o Diario de La Nacion Argentina é um tanto reacionário, como disse meu pai, e antes que alguém pudesse le-lo, compadecido com minha disposiçao matinal, eu mesma derrubei agua nele. De qualquer forma, as frutas estavam otimas.

11 de fevereiro de 2010

Recife

Já me apaixonei duas vezes, pelo que me lembro: primeiro por Paris, depois por Recife. Se apaixonar por uma cidade não é simples... A paixão, que nos faz admirar até mesmo o que o outro tem de mais repugnante, que ilude, que deforma tudo em prol do sentimento, pode ser bastante arriscada.

Recife, por exemplo. Era inverno em São Paulo, chovia há dias, infestação de gripe suína... Então eu e minha mãe aproveitamos as férias extras e fomos para Pernambuco. O aeroporto era pequeno e deserto, não havia ninguém do hotel a nos esperar, o que era o combinado, então pegamos um táxi. Lembro que ficamos uns 20 minutos no veículo e o preço não passou de 10 reais. O hotel era pequeno, cheirava a madeira velha, havia uma espécie de cabaré lá dentro, com um grande piano de cauda e mesinhas, onde costumavam ter shows, mas nessa época de férias ele não funcionava.

A atendente E.! Bastante gorda, falsa loira, estabanada... Uma imagem que em São Paulo poderia ser desagradável e irritante, em Recife, atrás daquele pequeno balcão, pronunciando as palavras com aquela delícia de quem tem uma eternidade para acabar de falar, ela era a pessoa que mais me agradava ver todos os dias pela manhã! Lembro que na hora de ir embora, quando já estava do lado de fora do hotel colocando as malas no taxi, num impulso obstinado, corri pra dentro, olhei-a através do balcão e disse "Eu precisava te dar um beijo antes de ir"... E ela me sorriu do jeito mais gostoso que eu já vi uma mulher gorda sorrir, apesar de todas elas sorrirem de um jeito muito interessante. Com o balcão entre nós, dei-lhe um beijo de cada lado do rosto, olhei-a brevemente e voltei a sair, satisfeita.

Todas as peculiaridades de Recife me agradaram, e isso é que é perigoso, pois inclui até mesmo as prostitutas da praia de Boa Viagem. O corpo delas era impecavelmente lindo, as roupas eram curtíssimas e elas dançavam e riam entre si, pareciam jovens amigas numa noite de farra, eram bronzeadas e radiantes, ao meu ver, eram moças bastante apaixonáveis, lindas! Minha mãe me pegava o braço toda vez que passávamos por elas, na calçada, à noite. Mas não nos davam bola, continuavam interagindo entre si, ou às vezes com os carros, num mundo onde não existiam a senhora e a jovem que passavam ali de braços dados e saias compridas rumo ao restaurante.

Outro ítem pelo qual eu me apaixonei foi a comida. Não vou dar detalhes, pois no momento me encontro na cozinha e, se prosseguir, é bem capaz que eu corra a geladeira e me decepcione por não encontrar nada que não sejam frutas ou alimentos industrializados. Vou apenas descrever uma refeição que comemos em um lugarzinho num beco que achamos ao acaso. O lugar era bastante feio e só servia um tipo de prato: Carne de sol com macaxeira, manteiga de garrafa e queijo coalho. Suspiro...

A paixão me impediu de enxergar a pobreza, o crescimento desordenado, a decadência do centro velho, a poluição nas praias e outras coisas nas quais minha mãe reparou excessivamente. Ela voltou dizendo que Recife era um lugar bastante desagradável... E eu voltei em silêncio e tive uma pneumonia séria duas semanas depois.

18 de janeiro de 2010

Assis

Sentadas na mesa de jantar, L.D. e eu ouvíamos Ray e falávamos sobre a criação dos filhos. Na mesa, uma garrafa térmica com café e uma jarra de limonada. L.D. quis comer o gorgonzola que havíamos comprado no mercado, mas eu fui firme: Não, só depois do jantar, L.D, portanto ela foi tomar banho para tentar apressar o relógio para as 9, quando seríamos buscadas para sair para jantar. Nossa casinha... Sofremos com o alarme, a porta emperrada, tivemos até mesmo que invadir a casa por uma janela, depois de pular o portão dos fundos. Olhando em uma maior perspectiva dos acontecimentos exóticos dos últimos dias, o dia de hoje até que não foi excepcional, depois de termos comido um animal chamado JAVAPORCO (ou porcolí, como preferirem) e rastelarmos o gramado do quintal, entre outras excentricidades porporcionadas por uns dias interioranos. Ah, as serras! Que leveza essa a de andar de um lado para o outro e nunca se dar inteiramente por perdido! Passar a tarde imerso na represa, apenas com a cabeça do lado de fora, falando sobre criação de javaporcos! Ficar até de madrugada com os vizinhos bêbados, tocando violão e fugindo de louva-deuses e besouros gigantes! Sentada sozinha na poltrona do escritório, me ocupava em me ausentar por inteiro quando uma infelicidade vinda diretamente do outro lado do estado me apareceu no celular, lembrando que a vida ainda não pode se resumir a javaporco e violão e às vezes a gente tem que se ocupar de coisas como dar um perdido, passar no vestibular e dar notícias para os pais.

26 de dezembro de 2009

manhã parisiense

Meus dias em Paris começavam sempre turbulentos. Quando dava por mim, estava na rua, de manhã cedo, em meio a parisienses apressados, onde eu não tinha ainda de dividir espaço com demais turistas em férias, pois àquela hora, estes ainda ocupavam-se em descansar.

O fato é que M.C. me acordava às 7h45min todos os dias, pois eu dormia no cômodo denominado por ela consultório. Era um ambiente espaçoso, infinitamente maior e mais emperiquitado do que o consultório da minha analista no Brasil, repleto de estatuetas, quadros e tapetes de todos os lugares do mundo, especialmente do Marrocos, onde M.C. estava montando sua casa de férias.

Eu adoraria poder estar ocupando um imenso e privado quarto de hópedes, onde gozaria do privilégio de acordar a hora que quisesse. Em um deles se encontrava a irmã marroquina do marido marroquino de M.C. e o esposo desta, igualmente marroquino. Com ela (não consigo me lembrar o nome de nenhum deles), que só falava francês, inglês e árabe, eu me comunicava em inglês, com seu marido, eu simplesmente não me comunicava pelo fato dele só falar árabe. Já com o marido de M.C., eu falava um português pausado, que ele estava esforçando-se para aprender, provavelmente por pressão de M.C., mas depois de certo tempo, com o fim da minha paciência limitada devido à quantidade de idéias concomitantes que eu desejava expressar, acabava por falar em inglês.

No outro imenso quarto de hóspedes, estava S., a filha de M.C., com seu marido J. francês, que falava um português afrancesado e a filhinha R. de 2 anos, já bilíngüe, porém com limitações expressivas em ambas as línguas, como a dificuldade em falar proparoxítonas em português (pessêgo, musíca). Em outro momento pretendo tratar deles com a devida atenção.

M.C. me tirava da cama e já passava a arrumá-la, transformando-a em divã para o paciente que chegaria em 15 minutos. Eu me desvencilhava das cobertas com pesar e frio, pois eles mantinham a temperatura do aquecedor muito baixa, de modo que eu tinha de andar consideravelmente empacotada lá dentro. M.C. me dava dois beijinhos de bom dia, e depois de arrumar o necessário, no que eu ajudava sonolentamente, ia para a cozinha tomar um cafezinho comigo e me dar as orientações necessárias para o dia.

Na cozinha de azulejos coloridos, repleta de porcelanas, costumava encontrar pela manhã S., seu marido e a filha. Confortava-me encontrá-los igualmente sonolentos e não com o ânimo matutino de M.C. Esta perguntava qual a cor do sache de café nespresso eu gostaria de tomar e eu sempre dizia que queria qualquer um que fosse forte (ainda não tivera tempo de me acostumar a esse luxo, a ponto de decorar a cor certa de sache para cada estado de espírito), ela mesma escolhia um e preparava para mim, enquanto eu comia um croissant ou um pain au chocolat.

-Você não pense que ele vai à padaria todos os dias, esse luxo é só porque você está aqui! – disse-me um dia M.C., referindo-se ao marido.

M.C. aproveitava os minutinhos que tínhamos para dizer todos os lugares que eu deveria visitar durante o dia, geralmente uns cinco ou seis. Ela não dava muitas explicações de como chegar lá por três motivos: um, por superestimar a minha sagacidade, dois, por superestimar o conhecimento do resto do mundo quanto a Paris, três, por andar apenas de táxi ou a pé (ah, ela se indignava com a minha preguiça em cruzar a cidade andando, eu, em plena juventude e forma física!).

Depois de deixar as orientações anotadas ou grifadas em algum guia semanal em francês, onde eu não entendia absolutamente nada, mas não chegava a dizer isso para não decepcioná-la, ela trancava-se no consultório e eu só voltava a vê-la geralmente depois das 10 da noite.

Na cozinha com os demais, geralmente falávamos no Brasil. S. queria informações sobre a vida de meu irmão J., a quem ela não via há mais de vinte anos e pareceu realmente triste quando eu contei que ele há pouco tempo passara dois anos e meio em Lion estudando e não a contatara. Eu lhe disse que J. estaria no Brasil quando eu chegasse, e ela ficou de me dar uma carta para lhe entregar, cheguei até mesmo a vê-la na escrivaninha escrevendo algo, enquanto eu acalentava R. e olhava fotos em preto e branco na parede do quarto, mas por fim, não me deu carta alguma.

Minhas malas ficavam num corredor que passava entre o salão principal, o consultório e um banheiro. Escolhia a roupa no maior silêncio possível, pois as casas européias são absurdamente barulhentas, especialmente as antigas como aquela, de modo que o paciente de M.C. poderia ouvir o mais ínfimo ruído da minha parte no cômodo ao lado.

Ia trocar-me no banheiro. Este era dividido em dois. A porta do corredor dava para a parte dele que continha um vaso sanitário e uma pia. Uma porta dentro dele abria para um compartimento com um boxe, outra pia e armários. A porta que se seguia dava para o quarto de hóspedes onde dormiam a cunhada de M.C. com o marido. Demorei a me acostumar com o estilo arquitetônico europeu, que acabei por não achar nada prático.

Eu geralmente saía antes dos demais, pois não tinha muito o que fazer lá dentro, enquanto tinha um itinerário complexo a cumprir pela cidade. Tinha de usar a saída dos fundos, pois a porta da frente era para os pacientes de M.C. Porém, só havia uma chave daquela porta e alguém tinha de ir abrir para mim. A escada de emergência era abandonada, rangia e no primeiro dia, eu não achei o interruptor de luz, de modo que tive de descê-la sob a luz muito fraca da manhã invernal que entrava por uma pequena janela muito alta, enquanto ouvia barulhos não-identificados nos outros andares, além dos rangidos provocados pelos meus próprios passos.

E era assim que, magicamente, eu me via em plena Rue Richallieu, atrapalhando o trânsito dos parisienses apressados, completamente sem direção, tendo apenas o Louvre como referência. Este ficava a duas quadras dali, mas eu custei a decorar como chegar lá (talvez isso lhes dê uma idéia de como andava meu estado de espírito durante este período), de modo que a primeira coisa que fazia ao sair pela porta era tomar uma direção qualquer e perguntar a alguém com aparência agradável para onde ficava o Louvre, em inglês. As respostas variavam, e eu nem sempre entendia muito bem o que eles diziam, dava muitas voltas a procurar o Louvre, para então dar milhares de outras em busca dos meus demais destinos designados por M.C., mas estas voltas eu ainda necessito recordar com melhor precisão, portanto, serão tema de postagens futuras.

25 de dezembro de 2009

introdução

"Faz tantos meses já que vocês, meus amigos, me pedem que lhes descreva o quanto antes as minhas impressões do estrangeiro, sem desconfiar que, com este pedido, simplesmente me põem num beco sem saída. O que hei de lhes escrever? O que direi de novo, que ainda seja desconhecido e não tenha sido contado?"

Notas de inverno sobre impressões de verão - Dostoievski

Meu Deus! Que saudade eu estava de ler Dostoievski! É fato que não faz tanto tempo (cronologicamente falando) que eu devorei Os Irmãos Karamazov, num período de convalescença de pneumonia, em que fui obrigada a me isolar fisicamente dos demais, o que, juntamente ao inusitado risco de vida que correra e tentava entender, colaborou para meu completo isolamento, onde apenas os três Karamazov me fizeram companhia (Beatriz, mas que escolha mais infeliz de leitura para um período como este!, você pode dizer se não me conhece razoavelmente e não sabe da minha curiosidade e diria até entusiasmo para com a tragédia, a melancolia e a angústia).

Acontece que neste natal, me senti angustiada e não hesitei em procurar Dostoievski na estante. Tremo toda só de pensar que em breve terei lido absolutamente todas as publicações dele, mas enquanto isto ainda não acontece, me delicio com a situação de poder escolher uma de suas obras na estante para ler pela primeira vez.

E foi com o trecho acima que começou o livro que escolhi. Mas que escolha feliz a minha!, pensei, apesar de acreditar que qualquer que fosse a obra escolhida, embora levasse meus devaneios e lembranças para outro caminho, teria sido uma escolha feliz, tratando-se de Dostoievski; e essa forma de pensar abrange escolhas como cursos, faculdades e relacionamentos, onde limito as possibilidades e deixo as decisões finais por conta do acaso.

Lendo este parágrafo, suspirei, lembrando de minha viagem pela Europa, que se passou em janeiro de 2008. E, realmente, despejei poucas palavras sobre esta para os demais. Todos ficaram decepcionados com o fato de eu não ter muito o que dizer sobre o Maravilhoso Mundo do Hemisfério Norte quando me perguntavam como havia sido a viagem. Minhas impressões se manifestavam no dia-a-dia e eu as expunha raramente, pois aí pareceria demasiado exibicionismo de minha parte, como neste natal em que, numa conversa sobre lichias, comentei ao acaso que comera muitas delas em Paris, o que foi seguido de um “aaah!” mesquinho.

Aos poucos, especialmente em conversas com desconhecidos, como o gringo de Recife ou o cara do Cinema Unibanco, fui me apoderando de uma visão mais abrangente da minha viagem. Fui re-experimentando através de recordações, postais, ingressos de museus, folhetos pegos nas ruas e um mísero caderninho de viagem que eu usei fielmente só nos primeiros dias e depois de forma esporádica, sensações que eu experimentara no momento, porém agora me permitindo um olhar de terceira pessoa, que está apenas brincando de experimentar, sem ter que vivenciar mesmo tudo aquilo.

Foi só agora, lendo este parágrafo do livro, que percebi que estou pronta para investigar essa viagem minha. Talvez ela esteja a ponto de obter algum sentido, afinal, o que uma rapariga fútil de 15 anos pode absorver de realmente útil, onde quer que esteja? Pois eu absorvi lembranças intensas e que, mesmo sem terem sido bem direcionadas na época devido a minha imaturidade, mudaram-me de forma incrível, até mesmo na essência.

É a partir de agora, em acompanhamento das lembranças de Dostoievski que, não de forma linear, tratarei de organizar, computar e arquivar minhas experiências na Europa.