Ai, que desespero! Vaguei por aí a tarde toda, deveria estar comemorando, triunfante, feliz... Fiz um bolo agora à noite, ele está no forno e meu desespero se mantêm desde a noite passada.
Acontece que G.H. me deixou. Simples. Bebi, ri, abracei L.D., comi pizza, fiz o bolo... mas estou incompleta! Praticamente sóbria, enquanto quebrava os ovos e separava as gemas das claras, tentei reproduzir mentalmente o diáologo da noite passada, e eis aqui seu registro, provavelmente alterado pelas minhas impressões.
Eu estava febril, minha pele ardia tanto e meus olhos lacrimejavam de tal modo, que eu seria capaz de jurar que nunca voltaria ao normal, como no verão sou capaz de pensar que nunca mais vou passar frio e no desespero digo a todo mundo que nunca fui ou serei feliz. Nesse estado, G.H. esteve sentado numa cadeira, ao lado da minha cama. Eu me mexia, chutava o lençol, depois me enrolava, com frio, depois me sentia arder, chutava, me debatia de raiva nessa instabilidade e G.H. mantinha os olhos preocupados. Ele me serviu uma limonada gelada e eu me senti melhor, de modo que pude analisá-lo pela primeira vez naquela noite.
Estava pálido e um bocado inquieto. Durante minhas crises de frio e calor, acariciava-me os cabelos e passava as mãos pelo meu rosto distraidamente. Mastigava chiclete, coisa que sempre reclamara em mim. Neste momento, em que me sentei na cama para beber o suco e observá-lo, ele analisava as próprias unhas. Estava infeliz, isso era notório. Eu cheguei a ficar preocupada.
- O que se passa, meu querido G.H.?
Ele me encarou nos olhos. Acontece que me perdi naquele olhar porque sou incapaz de olhar um belo par de olhos e prestar atenção nas palavras. Mas ele deve ter dito algo como "estou preocupado com você" e eu só fui pensar em responder quando ele, de propósito, fechou os olhos, sabendo que eles me distraiam.
-Desculpe, você sabe, não posso evitar.
-Você cresceu tanto, ma petit...
-Por que diz isso agora, que eu estou febril e acamada como um bebê?
Ele se debruçou sobre mim e me beijou a testa quente, de leve. Quando voltou para seu lugar, estava de olhos abertos de novo e eu olhei para o teto, pronta para encarar a conversa que estava buscando evitar. Meu coração palpitava forte e eu chutei o lençol para fora da cama.
-Vai aprender a se virar sem mim... - começou G.H.
-Vou sim.
-Se você esquecer de mim, eu aparecerei de vez em quando...
Olhei-o com o canto do olho. Estava desumanamente pálido, devia estar doente também.
-Serás feliz...
-Mentira!
-Talvez seja mentira mesmo... Não posso prever, estou tentando tranquilizar uma mocinha doente! - exclamou G.H.
Não posso prosseguir no relato, meus senhores. Acontece que nesse exato momento, fitei G.H. com um ódio no olhar maior do que tudo e o olhar dele... era de adeus mesmo! Não havia ódio, tampouco pena, nem dor... apenas uma inquietação e um adeus. Voltei a deitar, senti uma sonolência, disse a G.H. que estava morrendo e ele nem se mexeu, estendi a mão para o chão, puxei o lençol, me enrolei, tremi, mantive os olhos fechados, sentido a presença de G.H. Vi cores quentes, vi olhos, milhares deles, vi um forno de pizza, vi o Pedaço da Pizza com todos os rapazes que eu levara lá, vi a linha do trem em Assis sob o sol forte e não vi mais nada.
Quando acordei, como era de se esperar, G.H. não estava mais lá e a cadeira estava encostada na escrivaninha.
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