"Faz tantos meses já que vocês, meus amigos, me pedem que lhes descreva o quanto antes as minhas impressões do estrangeiro, sem desconfiar que, com este pedido, simplesmente me põem num beco sem saída. O que hei de lhes escrever? O que direi de novo, que ainda seja desconhecido e não tenha sido contado?"
Notas de inverno sobre impressões de verão - Dostoievski
Meu Deus! Que saudade eu estava de ler Dostoievski! É fato que não faz tanto tempo (cronologicamente falando) que eu devorei Os Irmãos Karamazov, num período de convalescença de pneumonia, em que fui obrigada a me isolar fisicamente dos demais, o que, juntamente ao inusitado risco de vida que correra e tentava entender, colaborou para meu completo isolamento, onde apenas os três Karamazov me fizeram companhia (Beatriz, mas que escolha mais infeliz de leitura para um período como este!, você pode dizer se não me conhece razoavelmente e não sabe da minha curiosidade e diria até entusiasmo para com a tragédia, a melancolia e a angústia).
Acontece que neste natal, me senti angustiada e não hesitei em procurar Dostoievski na estante. Tremo toda só de pensar que em breve terei lido absolutamente todas as publicações dele, mas enquanto isto ainda não acontece, me delicio com a situação de poder escolher uma de suas obras na estante para ler pela primeira vez.
E foi com o trecho acima que começou o livro que escolhi. Mas que escolha feliz a minha!, pensei, apesar de acreditar que qualquer que fosse a obra escolhida, embora levasse meus devaneios e lembranças para outro caminho, teria sido uma escolha feliz, tratando-se de Dostoievski; e essa forma de pensar abrange escolhas como cursos, faculdades e relacionamentos, onde limito as possibilidades e deixo as decisões finais por conta do acaso.
Lendo este parágrafo, suspirei, lembrando de minha viagem pela Europa, que se passou em janeiro de 2008. E, realmente, despejei poucas palavras sobre esta para os demais. Todos ficaram decepcionados com o fato de eu não ter muito o que dizer sobre o Maravilhoso Mundo do Hemisfério Norte quando me perguntavam como havia sido a viagem. Minhas impressões se manifestavam no dia-a-dia e eu as expunha raramente, pois aí pareceria demasiado exibicionismo de minha parte, como neste natal em que, numa conversa sobre lichias, comentei ao acaso que comera muitas delas em Paris, o que foi seguido de um “aaah!” mesquinho.
Aos poucos, especialmente em conversas com desconhecidos, como o gringo de Recife ou o cara do Cinema Unibanco, fui me apoderando de uma visão mais abrangente da minha viagem. Fui re-experimentando através de recordações, postais, ingressos de museus, folhetos pegos nas ruas e um mísero caderninho de viagem que eu usei fielmente só nos primeiros dias e depois de forma esporádica, sensações que eu experimentara no momento, porém agora me permitindo um olhar de terceira pessoa, que está apenas brincando de experimentar, sem ter que vivenciar mesmo tudo aquilo.
Foi só agora, lendo este parágrafo do livro, que percebi que estou pronta para investigar essa viagem minha. Talvez ela esteja a ponto de obter algum sentido, afinal, o que uma rapariga fútil de 15 anos pode absorver de realmente útil, onde quer que esteja? Pois eu absorvi lembranças intensas e que, mesmo sem terem sido bem direcionadas na época devido a minha imaturidade, mudaram-me de forma incrível, até mesmo na essência.
É a partir de agora, em acompanhamento das lembranças de Dostoievski que, não de forma linear, tratarei de organizar, computar e arquivar minhas experiências na Europa.
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