Já me apaixonei duas vezes, pelo que me lembro: primeiro por Paris, depois por Recife. Se apaixonar por uma cidade não é simples... A paixão, que nos faz admirar até mesmo o que o outro tem de mais repugnante, que ilude, que deforma tudo em prol do sentimento, pode ser bastante arriscada.
Recife, por exemplo. Era inverno em São Paulo, chovia há dias, infestação de gripe suína... Então eu e minha mãe aproveitamos as férias extras e fomos para Pernambuco. O aeroporto era pequeno e deserto, não havia ninguém do hotel a nos esperar, o que era o combinado, então pegamos um táxi. Lembro que ficamos uns 20 minutos no veículo e o preço não passou de 10 reais. O hotel era pequeno, cheirava a madeira velha, havia uma espécie de cabaré lá dentro, com um grande piano de cauda e mesinhas, onde costumavam ter shows, mas nessa época de férias ele não funcionava.
A atendente E.! Bastante gorda, falsa loira, estabanada... Uma imagem que em São Paulo poderia ser desagradável e irritante, em Recife, atrás daquele pequeno balcão, pronunciando as palavras com aquela delícia de quem tem uma eternidade para acabar de falar, ela era a pessoa que mais me agradava ver todos os dias pela manhã! Lembro que na hora de ir embora, quando já estava do lado de fora do hotel colocando as malas no taxi, num impulso obstinado, corri pra dentro, olhei-a através do balcão e disse "Eu precisava te dar um beijo antes de ir"... E ela me sorriu do jeito mais gostoso que eu já vi uma mulher gorda sorrir, apesar de todas elas sorrirem de um jeito muito interessante. Com o balcão entre nós, dei-lhe um beijo de cada lado do rosto, olhei-a brevemente e voltei a sair, satisfeita.
Todas as peculiaridades de Recife me agradaram, e isso é que é perigoso, pois inclui até mesmo as prostitutas da praia de Boa Viagem. O corpo delas era impecavelmente lindo, as roupas eram curtíssimas e elas dançavam e riam entre si, pareciam jovens amigas numa noite de farra, eram bronzeadas e radiantes, ao meu ver, eram moças bastante apaixonáveis, lindas! Minha mãe me pegava o braço toda vez que passávamos por elas, na calçada, à noite. Mas não nos davam bola, continuavam interagindo entre si, ou às vezes com os carros, num mundo onde não existiam a senhora e a jovem que passavam ali de braços dados e saias compridas rumo ao restaurante.
Outro ítem pelo qual eu me apaixonei foi a comida. Não vou dar detalhes, pois no momento me encontro na cozinha e, se prosseguir, é bem capaz que eu corra a geladeira e me decepcione por não encontrar nada que não sejam frutas ou alimentos industrializados. Vou apenas descrever uma refeição que comemos em um lugarzinho num beco que achamos ao acaso. O lugar era bastante feio e só servia um tipo de prato: Carne de sol com macaxeira, manteiga de garrafa e queijo coalho. Suspiro...
A paixão me impediu de enxergar a pobreza, o crescimento desordenado, a decadência do centro velho, a poluição nas praias e outras coisas nas quais minha mãe reparou excessivamente. Ela voltou dizendo que Recife era um lugar bastante desagradável... E eu voltei em silêncio e tive uma pneumonia séria duas semanas depois.
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