20 de fevereiro de 2013

Coisas

À luz de uma vela, na cozinha, ele lia um texto poético sobre A laranja, de um cara que escreveu um livro inteiro sobre A mesa e também um outro livro sobre Coisas, que era o que estava ali entre nós. Francês. Ridiculamente, não por acaso, eu estava comendo a casca da laranja, que jazia entre migalhas de pão sobre o prato. Além do prazer peculiar de mordê-la com as pontas dos dentes da frente, eu estava me divertindo em misturar o seu gosto com o do café, em seguida, o que fazia minha língua formigar. O francês e suas questões metafísicas sobre A laranja. Lida uma pergunta no terceiro parágrafo, tocou o interfone.

-Alguém tem a resposta!

Ele riu, foi atender. Era o porteiro: tinham tentado arrombar seu carro. Ele voltou, calmamente, e foi diretamente para um outro Objeto. Eu tive de lembrá-lo: A laranja. Ah, sim. Leu. Depois suspirou e disse que devia descer para dar uma olhada no carro, estava preocupado. Eu fiquei lá, à luz da vela, pensando de um modo literário. Minha cabeça, nos últimos dias virara uma fábrica de textos não-escritos. Visualizava até parágrafos, vírgulas milimetricamente perfeitas.

Cigarro. Já em casa, procurando reavivar aquela Presença sem encontrar respostas pra Nada, eu pensava se algum dia, algum maldito dia, me veria livre de Coisas com Letras Maiúsculas. E de pensamentos maus, e da visualização das vírgulas no que eu imaginava serem os meus Dias. Nada. No Coração - aço.

A casa estava limpa, ao menos, e a Lua, cheia. Desci ao jardim lá embaixo para olhá-la. Quase cheia, na verdade. Voltei. Fui dormir ao som das serras elétricas das Cigarras, desconsolada.

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