26 de abril de 2010

a pergunta

A pergunta estava no ar, acabara de saltar das caixas de som e eu podia senti-la ali, entre nós, em meio ao ar condicionado. Eu olhava para fora, com um sorrisinho (ah! a pergunta me roçava atrás da orelha de mansinho e arrepiava!), para o movimento da cidade naquela tarde tão gostosa, sabendo-me em breve longe dali, numa estrada diretamente para o meio do nada, não, o meio do nada não, um confortável recinto no meio do nada. Olhei-o o mais disfarçadamente que pude. De óculos escuros e as mãos no volante, ele sorria de leve, como eu. A pergunta nos aproximava e também nos afastava, pois ao mesmo tempo em que havia aquela cumplicidade da idéia perversa compartilhada, havia a culpa judaica pela idéia perversa existir simplesmente ali, brincando conosco. Voltei a música e ele virou a cabeça para mim, brevemente parando de sorrir, para então dar uma risadinha doce e brincar com o meu queixo. Inspirei a pergunta a fundo e prendi o ar, sem que ele percebesse. Quando não pude mais contê-la dentro de mim, expirei-a, e fiquei me divertindo um tempo repetindo a operação. Cheguei até a esquecer-me da pergunta, até o momento em que ele, provavelmente olhando-me com o canto do olho às vezes e notando meu comportamento estranho, cantarolou a pergunta e me fez corar repentinamente ao ouvir aquilo pronunciado tão perto.

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