2 de fevereiro de 2010

UFRB

Saindo do quarto, onde eu me enclausurara na leitura de "Os demônios", com o intuito de pegar uma caixa de lenços na estante do corredor, ouvi a voz de meu irmão no andar de baixo, entrecortada pelas vozes de meus pais e as provenientes da televisão. Animada pela presença sempre polêmica de L., com quem eu conversara pela manhã e não vira mais o resto do dia, respirei fundo, desci as escadas com ar grave, parei no quinto degrau, à vista dos três, e exclamei:

-Meu irmão! Esses dois não me deixaram estudar cinema da Federal do Recôncavo da Bahia!

L. abriu um sorriso que eu não sabia dizer se era de entusiasmo ou deboche e disse em tom igualmente trágico:

-Que absurdo! Eu deixaria minha filha estudar cinema no recôncavo da Bahia!

Meus pais olhavam para a televisão, buscando ignorar o nosso diálogo. Na tela, algum filme falado em francês. Ainda indiferente, sem olhar para nós, meu pai disse, friamente:

-Ela iria se formar e fazer propaganda de sabonete.

-Iria sim, no começo, para se sustentar... Faz parte! - defendeu-me L.

Ainda do alto da escada, eu acrescentei, na forma de discurso:

-Eis aí dois preconceitos dessa geração: a impossibilidade de viver como cineasta e a idéia de que nada se tem a ganhar com a vida acadêmica no Recôncavo da Bahia.

Meu pai olhou para mim, inabalável, e disse:

-Eu deixaria você estudar cinema na ECA, na PUC, na FAAP, e deixaria também você fazer filosofia no Recôncavo da Bahia porque você já iria sabendo que teria de lavar louça para se sustentar pelo resto da vida e não teria uma desiludão... mas fazer cinema do Recôncavo da Bahia não dá.

L. riu, ainda não sei se de deboche ou entusiasmo, eu fingi um ar indignado e subi, sorrindo pelos dois motivos, sentindo-me limitada pela mediocridade imposta pelos meus pais, que me deixavam apenas escolhas extremas, sem saber que assim estavam eles mesmos sendo pais medíocres... Sem saberem também que a filha é ainda mais medíocre e está com preguiça de insistir em tal idéia.

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