22 de janeiro de 2010

meus olhos, teus olhos

A principal diferença entre nós era que os meus olhos eram brilhantes e os dele eram opacos. Desse fato subentendem-se todas as demais diferenças das nossas feições, personalidades e expectativas, diferenças que se traduziam em interesses e manias, comidas preferidas, velocidade de beber cerveja, modo de utilizar a língua durante o beijo, operadora do celular, peixe preferido no rodízio japonês e etc.

No bar, os meus olhos passeavam de um amigo para o outro, para o copo, para o garçon, para a bunda do cara da mesa de sinuca do lado, para o celular, quando encontravam os olhos dele, sorriam, fechavam-se de tão brilhantes e ali, fechados, é bem provável que se revirassem de entusiasmo. Já ele, olhava para dentro ou para longe, não sei ao certo, sei que não era para a cerveja, nem para o taco de bilhar, nem para mim.

Durante o filme, meus olhos se dividiam entre a tela e a poltrona do lado, cheios de expectativa, apertavam-se ao menor toque da mão dele e eu acabava por fechá-los para garantir que não saltariam para fora. Os dele olhavam o filme e quando olhavam para mim, estavam decididos a me beijar e era tudo muito simples.

Longe dele, meus olhos brilhavam de saudade e desespero, umideciam-se na agonia daquele silêncio e quando voltavam a ver o par de olhos opacos, estes estavam impecavelmente iguais a antes e assim, meus olhos brilhantes ficavam presos à indiferença daquele olhar tranquilo e vazio.

Não dava mais. Estava a ponto de enlouquecer. Decidia sumir, desligava o celular, deitava na cama, me revirava, voltava a ligar, nada. Nada, nada... Vesti um véu, impedi que ele visse meus olhos, mas não adiantou e mesmo sem serem vistos, eles continuavam a brilhar a cada pedaço de pizza, cada bola de sinuca encaçapada, cada risada à toa.

Quando ébrios, meus olhos podiam jurar que os olhos dele correspondiam ao brilho e então brilhavam tanto, mas tanto, que eu acabava perdendo a noção de onde começava e terminava o brilho de cada um e fechava os olhos por muito tempo, o mais que podia, até voltar a abri-los e, com dor de cabeça, constatar os olhos dele ainda opacos. Desesperada, tapava-os com as duas mãos para não vê-los mais, ele segurava minhas mãos e beijava-as, dizendo que eu era louca, "você é louca baby, louca e sexy, fica ainda mais sexy com seus óculos de grau" e eu cedia sempre.

Mas o que é demais é demais e meus olhos foram encontrar brilho em outros lugares, na literatura, na música e mesmo em outros olhos que me olhavam brilhantes e entusiasmados, tais quais os meus outrora foram. Fiquei ofuscada, encantada e então me desprendi dos olhos opacos para sempre. Mas meu olhar de tanto que tinha brilhado, deixou nesses olhos todo o brilho que tivera e todas as lágrimas também, então tornaram-se opacos.

Que tristeza não poder corresponder aos olhares brilhantes, e logo também não às palavras intensas, aos sorrisos excitados, às ilusões e expectativas. Não adianta: aqueles olhos absorveram todo o brilho dos meus e nem por isso tronaram-se brilhantes, absorveram e deram fim nisso, como um buraco negro, e certamente eu já absorvi alguns brilhos de olhares sem nem me dar conta disso. Assim, numa reação em cadeia, vão se absorvendo todos os brilhos de todo mundo e pode-se dizer que os únicos que conservam os olhos brilhantes são os que nunca puderam, quiseram ou tiveram que esquecer um par de olhos.

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