Vou até a cozinha e encaro J., sem camisa, procurando o que comer na geladeira.
-Vou sair.
Ele se volta imediatamente, me encara com os olhos arregalados.
-Vai pra farra, é?
-Vou.
Dou um sorrisinho mal, indiferente, sustento o olhar com muita calma. Uma frieza admirável, principalmente para mim.
-Você não volta pra casa?
-Não.
-Você disse que iria à feira com a gente amanhã!
Não respondo. Dou um sorriro cínico, tão cínico quanto sua indignação. Ambos sinceros, profundos, pungentes: o meu sorriso, sua indignação.Estou parada à sua frente, ao lado da geladeira, os lábios pintados, os olhos pintados, um vestido azul. Virão me buscar. Ele prepara uma maçã descascada para sua mulher grávida e doente, fraca, afundada na cama do quarto que é meu. Eu observo em silêncio.
-Onde é que você vai?
-Uma festa.
Então, com um olhar de profundo cinismo (é claro, não existe um paradoxo entre profundidade e cinismo na linhagem que me precede, algo muito judaico), ele diz, na minha cara:
-Bandida!
Eu solto um riso divertido, cruel, frio, vingativo.
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