7 de fevereiro de 2010

velho hábito

Eu me lembro daqueles dias com precisão, não porque foram muito marcantes (talvez até tenham sido) ou porque minha memória seja ótima, e pode-se até abstrair do fato de eu reparar excessivamente nas peculiaridades relevantes cotidianas. O fato é que aqueles dias tinham todos a mesma essência, lembro-me como se fosse um dia só, creio que não faça muita diferença...

O processo era simples: encontrávamo-nos no cinema após o almoço, esperávamos cerca de uns 30 minutos até começar o filme, nesse tempo rapidamente trocávamos informações sobre a semana, tudo muito por cima e dotado de certa formalidade simpática. Havia muitos sorrisos, lembro-me bem, e poucos beijos e abraços, quase nenhum contato físico, mas era evidente que esses encontros rotineiros eram do agrado de todos.

Assistíamos ao filme, um dos rapazes fazia comentários sempre, coisas do tipo "ah, e essa é a esposa do cara?", ou "ela morreu? É isso?", quando não "que filme chato". Eu ficava bastante incomodada, e quando estava ao seu lado, lhe pegava a mão e apertava forte, tentando mostrar meu desagrado, mas pelo jeito não funcionava, ele nunca deixou de comentar.

Quando o filme acabava, ficávamos um longo tempo olhando os créditos. Depois trocávamos olhares muito significativos e saíamos da sala em silêncio, refletindo sobre o que acabáramos de ver.

Um de nós, quando não mais de um, sempre sugeria irmos todos à Doceria Holandesa, embora já estivesse pré-combinado pelo hábito e certamente nós, mesmo em silêncio, caminharíamos para a doceria automaticamente. Mas nos consultávamos mutuamente (aquela formalidade da qual já falei) e sempre acabávamos indo.

No caminho, era como se tivéssemos esquecido o filme, falávamos ainda de banalidades, o que pode incluir filosofia, teatro e música, o importante é que não eram assuntos íntimos, embora pudessem até ser profundos.

Chegávamos e sentávamos numa mesinha do lado de fora, onde não costumava sentar ninguém, devido ao fato de esta estar de frente para os carros estacionados. Mas nós víamos além: víamos a árvore e o Maria Antônia logo ali atrás. Todos eles sempre comiam doces e salgados, a maioria tinha os seus de sempre, como o rapaz que comia uma bolachona de chocolate com nozes, ou a moça que comia Zabaione e Petit Four. Eu tomava um sorvete (sempre no copinho, nunca na casquinha), o que era incompreensível até mesmo para mim, pois aquele sorvete era caro e medíocre, enquanto os doces eram caros e deliciosos, mas aquilo já estava automatizado. Depois tomávamos cafezinhos. Nessa hora sim, discutíamos profundamente sobre o filme. O assunto chegava do nada, enquanto um falava algo sobre Sartre ou balé, outro dizia "Sabe, aquela atriz loira do filme de hoje..." e começava a discussão. Ficávamos cerca de uma hora na doceria.

Depois íamos para o metrô e cada um voltava para sua casa. Lembro de dois que pegavam o mesmo sentido que eu, um descia antes, o outro depois. Quando ficávamos os três a sós, até havia um papo mais íntimo, perguntava-se sobre a mãe ou o irmão de um, às vezes até sobre o namorado, mas era raro. Descia um. Ficávamos eu e o outro...

...E depois eu descia sem olhar pra trás! Sempre, sempre...

A quebra dessa rotina é assunto para outro dia. Hoje, fazendo exatamente esse programa com meu pai, não pude deixar de lembrar daqueles dias, bateu certa nostalgia, vontade de mandar um e-mail para alguns deles, de marcarmos um doce (ou sorvete) na Holandesa, vontade de voltar a corar quando alguém insinuava algo sobre minha vida afetiva (embora sempre muito discretamente)... Deu uma vontadezinha de olhar pra trás... aí eu espiei assim, de leve, visando sempre esses detalhes que me distraem do todo e de tudo o que ele ainda significa.

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