Era cedo, ainda não passara das 11 da manhã, mas a bebida exerce esse efeito sobre mim, tenho muito sono, durmo e acordo cedo, na verdade, eu não costumo dormir muito mesmo, acho que nunca superei meu medo da noite, do sono, do escuro. Na rodovia, o carro corria absurdamente. Eu me segurava no banco e tentava pensar em coisas, mas não conseguia, o carro ia muito rápido e eu tinha medo. Medo. O que fazer com esse medo?, pensava, Por que é que ele corre tanto?
Atrás, a criança dormia. Os vidros abertos, o barulho do vento, o vento me batendo no rosto, até chegava a doer e ele sorria no banco do lado, batucava no volante e nem olhava pra mim. Eu tampouco dizia nada. Nunca mais vou entrar nesse carro, nunca. Quis pedir proteção a Deus, mas Deus não existe. Pedir proteção a quem? Entrei aqui por livre arbítrio e hei de responder pelos meus atos! Ninguém pode me salvar agora, o carro corre demais e pelo acostamento ainda.
Sou jovem e passei na faculdade. Gosto de queijos, café sem açucar e chá preto. Leio Dostoievski e Sartre. Almoço fora aos sábados com meus pais. Estou indo morar fora esse ano. Sou apaixonada por Chico Buarque e Vivaldi. Gosto de cantar em rodas de violão. Saio às sextas para beber com amigos, volto tarde, acordo cedo, entro no carro e morro num acidente. O carro corria demais, bateu num caminhão, pegou fogo, morreu todo mundo, inclusive B.C., que acabara de passar na faculdade, tadinha.
Ninguém vai me proteger. Nunca. E eu continuo entrando em carros de motoristas malucos. Talvez no fundo eu acredite em algo, me imagine imune a tudo, há certa prepotência nesse meu descuido. Agora, no carro, fecho os olhos e não encontro a quem pedir nada, apenas prometo a mim mesma, caso sobreviva, nunca mais entrar no carro, que eu mesma cuide de mim, pelo menos.
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