Muitas vezes quando me perguntam sobre um livro, eu respondo com toda a sinceridade:
-Maravilhoso! Incrível! Gostei muito!
Mas se o interrogatório prossegue e entra-se em detalhes, como nomes de personagens e características efêmeras de cada um, ou mesmo o clímax da história, eu me perco e digo que já não me lembro, o que pode gerar dúvidas quanto ao fato de eu ter mesmo lido o tal livro e consequentemente, se eu li mesmo cerca de 80 livros em 2009 e se eu realmente me enjôo com o cheiro do jornal novo, de modo que só consiga ler o jornal do dia anterior. Como dar uma explicação para liquidar essas dúvidas quanto a minha existência e caráter? Não que mentir seja falta de caráter, já que eu nem sei dizer o que é caráter e mesmo o que é uma mentira, mas não pega bem pra imagem e eu ainda preciso dela, pois ainda não me reproduzi, nem escrevi um livro, nem plantei uma árvore, não posso morrer, logo é necessária uma explicação, uma justificativa para eu não me lembrar mais do livro e sair por aí espalhando meu julgamento sobre este.
Meus amigos, o ato de ler um livro vai muito além de estar mergulhado nas páginas, inclui tudo o que se passou conosco antes, depois e principalmente durante a leitura. É muito confusa a fronteira entre a vida real e a ficção, de modo que os sentimentos e sensações transitam de um lado a outro e acabam se diluindo e transbordando para os dois lados, levando fatos e características de um para o outro.
Ainda me lembro de quando lia Primo Basílio, no começo de 2009, quando conheci meu novo professor de literatura e sabe-se lá por que motivo, passei a identificá-lo com o conselheiro Acácio e, não só tinha em mente sua imagem ao ler o livro, como passei a encarar meu professor como o personagem e tratá-lo como tal. Agindo de forma suspeita, como por exemplo ao utilizar um tratamento tão formal para com o professor, tudo ficou claro quando eu deixei escapar o nome do personagem e admiti que eles se pareciam um bocado. O professor achou formidável, mas isso passou logo que eu mudei de livro.
Ana Karênina é um dos meus livros preferidos e eu nem sei dizer porque. Lembro bem da época deliciosa em que o li. Levava-o (uns 2 kg de páginas) na bolsa e ficava num café, esperando meu ator, que chegava sorridente, pegava o livro, abria numa página aleatória, lia um pedaço em voz alta e depois vinha me dar um beijo e dizer que estava cansado e sentira minha falta durante a semana, o que íamos ver? Foram peças, filmes, cafés... e então eu acabei o livro e acabei com o ator também, só não me lembro mais em que ordem.
Budapeste! Uau, todos os dias que eu parava em algum lugar para ler, acabava por conhecer alguém. Foi um maluco barbudo que dizia sentir uma energia especial nos meus olhos, um advogado de nome estranho que foi a outra sessão da livraria e me trouxe um livro sobre as músicas do Chico e uma senhora muito velha apaixonada por Chico Buarque, com quem eu tomei um café e ela pagou. Só não foram mais pessoas porque acabei o livro em dois dias, uma pena.
Sou capaz de lembrar de alguma situação com cada um dos livros que li, mas sou completamente incapaz de me lembrar o nome da namorada do Pedro Bala nos Capitães de Areia, ou do nome da amada de Mítia, nos Irmãos Karamazov, pra não falar de esquecimentos muito maiores!
Mas de qualquer forma, apesar dessa explicação medíocre, peço-lhes que continuem a suspeitar de mim, porque me preocupar em agir de forma suspeita é das coisas que mais me entretem por aí.
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