Passei o que acredito ser o último ano novo na casa dos meus pais com um vestido indiano vermelho. Escolhi às pressas, enquanto deixei as batatas no fogo. Foi o primeiro ano que minha mãe não teve de se ocupar minimamente da ceia. Fiz um jantar à francesa, com Bouef Bourguignon, batatas à dore, arroz com lentilhas e torta de maçã. Passamos os quatro, não havia visitantes, como acontece às vezes. Servi o jantar às 23, ficamos comendo, tomando vinho. Minha mãe estava em silêncio e tinha uma expressão sombria, talvez pelo fato de não saber disfarçar seu desgosto com o passar do tempo, ou talvez por outra coisa que prefiro não citar aqui. Meu irmão L.C. estava falante e expansivo e posso não me lembrar mais sobre o que conversávamos, mas sei que ele era o mais falante. Eu falei pouco. Meu pai falou quando teve vontade, interrompendo alguém ou deixando um pensamento pela metade quando julgou necessário. Servi o jantar nos pratos de barro que foram da minha avó, belíssimos, uma das poucas lembranças que temos dela aqui, já que meu pai nunca se interessou em brigar por qualquer tipo de herança. Na mesa, alguns castiçais, as luzes todas apagadas. Quando deu meia noite, brindamos, meu pai e meu irmão me beijaram o rosto, minha mãe me deu um abraço rápido, ligaram a televisão para ver os fogos e eu subi e logo peguei no sono, mal havia lido algumas páginas. Estranhamente, tenho dormido muito esses dias, sem qualquer tipo de dificuldade.
Acordei às 11 horas e todos já haviam tomado café da manhã, a casa estava iluminada, todas as janelas abertas. Tomei o que restara do suco de limão e comi um kiwi. Perguntei onde almoçaríamos e meu pai anunciou que iríamos ao Bexiga. Tomei banho, me vesti, nós fomos. Chovia. Na cantina, eu não quis comer massa, queria peixe. Tomamos vinho, minha mãe, que reclamava de dor de cabeça devido ao excesso de vinho da véspera, bebeu a taça dela e metade da de meu irmão. Voltando para casa, me fechei no quarto, acabei o conto de Tchekov que estava lendo e dormi até o fim da tarde.
Desci quando acordei, assisti um filme pela metade, depois minha mãe esquentou o que restara do jantar de ano novo, eu comi só salada. Lembro-me de ter ouvido algo sobre democracia, direito romano, inquisição, opinei pouco. A fuvest se aproxima, era o que eles me diziam. Pois é, se aproxima...
Ano novo e aniversário me são dois pesares. Minha terapeuta diz que eu não gosto de ter evidências de que o tempo passa. Talvez ela tenha razão. Pensem comigo: se o passar do tempo é inevitável, para que exatamente servem esses tipos de comemorações? O ano invariavelmente passa, não há o que festejar, muito pelo contrário. Muitíssimo pelo contrário.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário