21 de dezembro de 2009

a dinâmica das coisas

Cheguei em casa sonolenta de vinho. Vi que a luz do corredor de cima estava acesa, algum deles ainda devia estar acordado. Gritei um Olá e ninguém respondeu, reparei que havia o barulho do chuveiro.

Arrastei-me pela escada até meu quarto e a minha sorte foi não ter me jogado na cama logo de cara, como eu faria normalmente, mas dessa vez quis colocar um pijama confortável, pois passara o dia de calça jeans e tênis, coisa que não fazia há muito tempo, mas que tive que suportar para poder ir ao Bom Retiro com chuva à tarde e depois estar apresentável para sair à noite.

E eis que minha cama estava inteiramente ocupada pela mais diversa variedade de roupas coloridas, especialmente vestidos e lenços. Merda. Não pensei duas vezes: tirei a roupa, vesti a camisola, apaguei a luz e fui para a sala, onde me acomodei confortavelmente no sofá.

Entrava pela janela alguma luz da rua, além da iluminação vinda da lâmpada do corredor de cima, que eu tivera o cuidado de não apagar, conforme estava antes da minha chegada, pois a pessoa do banho nem deve ter se dado conta que algo transcorreu do outro lado do boxe, pois é fato que o mundo pára na hora do banho e não era eu que iria traumatizá-la com a notícia de que pessoas vão, chegam, acendem e apagam luzes enquanto se toma banho.

Pude ouvir quando o ruído da água caindo cessou. Uma porta se abriu, fechou, outra se abriu. Eu tinha os olhos fechados e, pelos pequenos barulhos do percurso, já imaginara que era minha mãe quem estava acordada. Ouvi passos apressados na escada e então a voz de minha mãe:

-Beatriz? Quando você chegou?

Confirmei novamente que na cabeça das pessoas o mundo pára durante a hora do banho e respondi, depois desta rápida filosofia:

-Agora a pouco (tive o cuidado de não dizer “enquanto você estava no banho”)
-Não vai dormir?
-Vou sim, aqui mesmo.
-Ah! Eu mesma mandei Z. estender na cama todas as roupas que estavam empilhadas na cadeira e na escrivaninha.
-Maldade.

A voz dela assumiu o tom irritado de mãe e ela disse, enquanto ia pegar água na cozinha:

-Pelo amor de Deus, Beatriz, tem pilhas de roupas, livros, papéis, folhetos, CD’s, discos e etc desordenados no seu quarto, pelo menos tem quem tire sua roupa suja e o lixo de lá.
-Não tem espaço pras coisas.

-Tenha menos coisas! – ela replicou, como se fosse a coisa mais óbvia a ser feita.
-Impossível! Há uma constante de coisas, é só eu me livrar de algumas, que outras aparecem magicamente e ocupam o lugar das antigas, assim como quando surgem coisas novas, antigas desaparecem e etc.

Ela subiu a escada resmungando e não se dignou a me responder. Apagou a luz do corredor e eu ouvi um barulho de porta batendo.

Aquela conversa me tirara o sono. Resolvi subir e pegar meu livro de Calvino como companhia. Havia, como de costume, uma pilha de coisas na escrivaninha e numa rápida remexida, acabei por derrubar Vicky Cristina Barcelona, o presente de T.S. e um caderninho de receitas que minha avó deixara pra mim.

Deixei-as ali no chão, pois elas mesmas provaram que a escrivaninha estava cheia. E assim as coisas vão ajustando-se por si mesmas no espaço e eu só me sinto no direito de intervir como coisa igualmente ocupante do ambiente, respeitando a individualidade e as vontades de cada uma delas. Chamar isso de preguiça é simplista demais.

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