Quando pessoas angustiadas demais estão reunidas em dada situação, elas não se contentam em simplesmente viver a tal situação, mas imaginam quantas situações diferentes poderiam estar vivendo naquele momento se estivessem na mira de diferentes artistas.
Foi o que aconteceu na tarde de hoje, em que saí com o casal L.D. e L.P. para uma sessão de cinema no centro velho cujos ingressos estavam esgotados.
Resultado: cerveja.
A cena: Eu, com uma rosa atrás da orelha. L.P. com seu chapéu e um olhar perdido. L.M. com nada que a caractetizasse, se não o fato de ser a namorada do cara do chapéu e se parecer com a moça da rosa em todos os aspéctos. Um bar decadente no centro velho de São Paulo.
Se fosse num livro de Kafka, L.P. teria acabado de chegar na gigantesca e cinza cidade de K. para resolver um processo de herança. Perdido, sem sua mala, que fora levada por engano por um sujeito de sobretudo verde, L.P. estaria à procura do prédio onde mora o tio, quando, no caminho, encontra duas garotas parecidas, sendo que a diferença entre elas consiste no fato de uma ter uma flor atrás da orelha. L.P. é arrastado pelas moças, que às vezes riem, às vezes choram e falam compulsivamente ao mesmo tempo, para uma mesa num bar, enquanto o tempo, que já estava cinzento, parece se fechar e ameaça cair um temporal. Tudo o que L.P. desejava no momento era estar no apartamento do tio, que na verdade ele não conhecia, resolver rapidamente o processo e retornar para sua casa, na amigável província de Q.
Se estivéssemos em um livro de Dostoievsk, L.P. (não adianta, ele estava de chapéu, impossível não colocá-lo como personagem principal!) teria acabado de matar o pai e as duas moças estariam filosofando sobre o mal-estar na civilização, onde o homem deve reprimir seus instintos assassinos pela manutenção da sociedade. Notando o olhar distante de L.P., a moça parecida com a moça da rosa perguntaria, zombeteira, se por acaso ele não estaria se sentindo mal com aquele assunto porque acabara de cometer um crime. L.P. daria um sorriso amarelo e pediria outra cerveja (ou vodka).
Agora, se fosse um filme de Woody Allen, o cara do chapéu e a moça da rosa estariam planejando matar L.D., namorada chata do cara de chapéu. Os dois mantem certa tranquilidade, enquanto ela reclama dos sapatos apertados e toma um café com adoçante.
Se o filme fosse de Bertolucci, as moças seriam irmãs com atitudes suspeitas, onde fica uma dúvida: elas se pegam ou não? Ambas estariam tentando seduzir o cara de chapéu, que elas conheceram no cinema. Ele se sente completamente confuso e no final, as duas o levariam para um apartamento, onde ele faria sexo com uma delas enquanto a outra fritaria um ovo.
-Chega de cerveja, estou falindo! - disse eu. E estava imposta a realidade novamente.
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